sexta-feira, 16 de junho de 2000

De Volta à Diversidade

(Este artigo foi publicado originalmente na edição de junho de 2000 da OS/2eZine e foi minimamente adaptado para refletir a situação atual)

O guepardo africano, um predador extremamente bem sucedido, tornou-se vítima de seu próprio sucesso. Ocupando um nicho sem concorrência por um longo período, a população de guepardos tornou-se tão geneticamente homogênea que corre o risco de tornar-se extinta.

É fato que populações geneticamente homogêneas são mais frágeis que aquelas onde há maior diversidade. Populações geneticamente diversas se adaptam mais rapidamente a mudanças no ambiente e são mais resistentes, como população, a doenças e outras ameaças. Populações geneticamente homogêneas, por outro lado, tendem a desaparecer ou tornarem-se confinadas em regiões onde não sejam ameaçadas.

A atividade humana também segue esta regra. Quanto maior for a diversificação econômica de uma região, melhores as suas chances de sobrevivência. Quanto maior a especialização, maior o risco dessa região ser dizimada por uma alteração na economia.

Quanto mais a Internet se difunde, mais a interação entre computadores se assemelha a um ecossistema. Há novos tipos (espécies?) de usuários sendo continuamente “gerados” e interagindo no ecossistema representado pela Internet. Mais de 95% destes usuários compartilham uma mesma característica, ou “genoma”, o sistema operacional Windows. Não deveria ser surpresa que em um ambiente assim novas “doenças” (no nosso caso, vírus de computador) se espalhem como fogo.

Vejamos os últimos vírus: MyDoom, LoveSAN, e SoBIG. Estes vírus exploram as mesmas falhas no sistema operacional e no programa de e-mail: a capacidade de executar instruções e coletar informações independentemente da autorização do usuário. Como em seus correspondentes biológicos, eles sequestram o centro de controle do hospedeiro e o utilizam para gerar cópias capazes de infectar outros hospedeiros. Ao contrário dos seus correspondentes biológicos, não há um sistema imunológico capaz de reconhecer e debelar a infecção. Programas anti-vírus agem mais como “antibióticos” que como um sistema imunológico no sentido que são capazes apenas de debelar infecções conhecidas mas não de impedir infecções por novos agentes.

Assim como os vírus biológicos, os vírus mencionados são parasitas extremamente especializados. Eles infectam um único tipo de hospedeiro, sendo incapazes de infectar qualquer sistema que não esteja usando o Microsoft Windows bem como o seu programa de e-mail, o Outlook.

Sou um destes 5% (sim, existimos) que não estão usando Windows em suas máquinas. Ainda mais, até agora só recebi dois e-mails com o MyDoom. Logo, a) ninguém tem o meu endereço de e-mail no caderno de endereços do Outlook (já que é bem fácil de decorar) ou; b) não me correspondo por e-mail com usuários Windows (improvável).

Independente do motivo, fui capaz de continuar a trabalhar como sempre a despeito dos “mais devastadores vírus já produzidos”. Ser diferente foi a minha melhor defesa e tenho notícias de amigos que apesar de usarem Windows, mesmo tendo sido infectados, não propagaram a infecção por não estarem usando o Outlook como programa de e-mail. Eles estavam usando o Eudora, o Mozilla ou o PM-Mail. Esta pequena diferença foi suficiente para impedir a disseminação dos vírus muito embora não tenha sido capaz de impedir que suas próprias máquinas fossem infectadas.

Vírus biológicos tendem a estabelecer um equilíbrio com seus hospedeiros. Os sistemas imunológicos mantém os vírus sob controle e os vírus mutam de forma a sobreviver. Algumas vezes esta relação não atinge o equilíbrio e os vírus se tornam tão agressivos que populações de hospedeiros inteiras são dizimadas, acabando, assim, com o próprio vírus. Vírus de computador se encaixam neste segundo comportamento. Sendo feitos pelo homem, são incapazes de se adaptar para atingir um equilíbrio com o seu ambiente. Se não forem parados, tentarão destruir o hospedeiro, destruindo a si próprios no processo. Esta é a principal distinção entre vírus biológicos e eletrônicos: A vida tende a se preservar e torna-se bem sucedida quando estabelece um ponto de equilíbrio com o seu ambiente. Vírus de computador são meras seqüências de código, incapazes de alterar o seu comportamento ou de atingir qualquer tipo de equilíbrio com seus hospedeiros.

Em ambos os casos, no entanto, variedade é proteção. Quanto mais diversos forem os hospedeiros, menores serão as chances de uma epidemia. Alguns indivíduos podem ficar doentes e para estes, deverá haver “medicação” disponível. Para a espécie como um todo, a sobrevivência estará garantida. Estamos começando a “viver” em um novo e desconhecido ecossistema, a Internet. Ainda temos muito que aprender e a nos adaptar e a única garantia que temos que isto será possível é promover a diversidade.

Como disse, não uso Windows. Sou um usuário de Linux e OS/2 e mesmo assim sou capaz de “surfar” na Internet, trocar mensagens instantâneas e e-mails com pessoas que usam Windows, BeOS, MacOS, e tantos outros sistemas operacionais que seria tedioso listar todos aqui.

Há um mundo inteiro fora do Windows. Um mundo que, muito embora não seja imune a vírus e outros tipos de ataques, se mostra muito mais resistente na sua variedade que o mundo homogêneo apresentado pela Microsoft.