segunda-feira, 12 de abril de 2004

Por um Novo Modelo de Negócios

Há alguns dias, uma discussão no site br-linux.org me chamou a atenção. Foi uma reação da comunidade a um artigo do jornalista Luis Nassif, publicado na Folha de São Paulo levantando as fragilidades do atual modelo proposto pelo governo federal e pela comunidade para o apoio ao software livre. Como tudo o mais neste novo mundo, o tema levanta discussões apaixonadas de todos os lados levando a debates acalorados. Gostaria de fazer aqui minha pequena contribuição ao debate.

A discussão se o software livre é viável do ponto de vista econômico se deve principalmente ao confronto entre o modelo de desenvolvimento do software livre e o da indústria de software. O modelo adotado pela indústria do software se baseia no modelo tradicional da produção industrial onde o preço do produto é formado levando-se em conta a recuperação dos investimentos realizados no seu desenvolvimento somada ao custo marginal de produção, à margem de lucro e aos impostos. Há outros fatores que determinam o preço final de venda de um produto, mas a grosso modo, estes são os principais. O problema da discussão sobre o modelo de negócios do software livre começa justamente nos dois primeiros ítens: a recuperação do investimento e o custo marginal de produção.

De forma geral, um software livre é desenvolvido de forma colaborativa e voluntária, somando os esforços de centenas, e algumas vezes milhares de desenvolvedores que contribuem com o desenvolvimento do software nas suas horas vagas. Isto torna o custo de desenvolvimento de um produto de software livre extremamente difícil de ser aferido até mesmo pelos próprios voluntários. Isto porque a motivação dos voluntários em projetos de software livre é diferente daquela dos programadores contratados por empresas. Enquanto nestas há a predominância do fator econômico, onde a empresa determina uma remuneração e exige prazos e resultados, naquela há o predomínio de fatores como ética e ego. Para muitos existe a sensação de se estar colaborando para alcançar objetivos nobres, a divulgação do conhecimento e a melhoria da qualidade de vida de quem vai utilizar o software. Para outros é um investimento de longo prazo, a chance de serem reconhecidos pela comunidade como sendo grandes programadores melhorando as suas chances de serem contratados por grandes empresas do setor.

O problema de como quantificar o investimento realizado no desenvolvimento de um software livre fica ainda maior quando se tem empresas que mantém funcionários “colaborando” com os projetos nas suas folhas de pagamento. Há diversos casos de empresas como a IBM, a Sun e a Siemens que mantém programadores contratados com a missão de colaborar com projetos de software livre como o Mozilla, o OpenOffice.org, o Eclipse e o Apache. De forma geral, as empresas que investem no desenvolvimento de software livre relutam em dizer exatamente quanto estão gastando ou inflam os valores de forma a mostrar um maior comprometimento com o movimento.

O custo marginal de produção de um software é o segundo ponto crítico na análise do modelo. Enquanto para as demais indústrias o custo marginal é facilmente apurável, para o software este custo tende a zero. Não interessa quantos carros uma fábrica produz, há sempre peças a serem compradas para a produção uma nova unidade. Uma vez produzido um software, no entanto, os custos de produção de uma segunda cópia são ínfimos, resumindo-se, muitas vezes apenas ao custo de produção de embalagens e aos de distribuição. Quando se para para pensar no custo de se prensar um CD-ROM, é possível perceber que no espaço de uma mídia é possível incluir diversos produtos ao custo de menos de R$ 1,00 por unidade. Distribuindo-se o software através de meios eletrônicos como a Internet, este custo fica ainda menor.

Há um motivo claro, mas pouco discutido, para este comportamento, aparentemente estranho, do software. O software não é um produto no sentido tradicional da indústria. Software é conhecimento. Uma vez cristalizado, seja em um texto ou em um programa de computador, não há mais custo a não ser o custo da distribuição do conhecimento, seja através de livros, de CD-ROMs ou de páginas na Internet. Com a proliferação de serviços gratuitos de hospedagem de sites, pode-se chegar à situação de custo zero para a distribuição de um software para o seu autor.

A questão do preço leva à questão da sustentabilidade do software livre como negócio. Como se pode garantir a continuidade de um software quando todo o seu desenvolvimento é baseado em trabalho voluntário? Certamente haverá um momento em que os voluntários estarão trabalhando em outras atividades e não terão tempo ou condições para resolver uma vulnerabilidade recém descoberta no produto. Também pode ocorrer de um software ter o seu desenvolvimento descontinuado deixando os seus usuários sem ter a quem recorrer. Esta é a pergunta mais frequentemente feita por empresas que estão analisando soluções baseadas em software livre e por críticos do modelo. A resposta a esta pergunta não será encontrada no atual modelo de negócios da indústria de software. Torna-se necessária a criação de um novo modelo, não mais baseado no produto software mas nos serviços agregados a ele.

Um modelo de negócios baseado em serviços tem como vantagem para o usuário, a independência de fornecedor. Não é preciso se prender ao fornecedor do software para a realização de manutenção, correções ou inovações. Caso os serviços providos por um determinado fornecedor não atendam às necessidades do cliente, pode-se recorrer ao mercado para a contratação de um outro. Também não é preciso aguardar por uma nova versão para que seja implementada um recurso considerado crítico. Novamente pode-se contratar no mercado um fornecedor de serviços que faça a inclusão desta funcionalidade no produto. Ter o código fonte à mão representa não um problema mas uma garantia para o usuário consumidor do produto. Esta garantia de se ter acesso ao código fonte não está disponível no modelo adotado pela indústria. Caso uma indústria fornecedora de um determinado software vá a falência, o usuário não tem para onde recorrer ficando com uma verdadeira bomba relógio nas mãos. Um software sem possibilidade de manutenção que quando falhar, não poderá ser corrigido.

O modelo de serviços permitido pelo software livre apresenta outra vantagem, desta vez do ponto de vista social. A tendência de clientes que optem por soluções de software livre deverá ser a de contratação de serviços locais. Acredito que esta tendência será reforçada principalmente pelos custos associados ao deslocamento de técnicos de grandes centros para localidades periféricas onde os usuários estarão. Esta localização dos serviços permitirá o desenvolvimento tecnológico dos pequenos e médios centros urbanos abrindo novas oportunidades de negócios com reflexos positivos para a economia local.

Cabe ao governo, nas suas esferas federal, estadual e municipal, como maior consumidor de produtos de informática fomentar este mercado. Ao passar a utilizar produtos de software livre, uma prefeitura pode iniciar o processo que culminará com a criação de empregos qualificados no município. Com a presença de um mercado fornecedor de serviços, as empresas locais verão condições para também utilizar soluções de software livre, ampliando as condições para a expansão do mercado. O governo cumprirá, desta forma, seu papel gerando as condições para o desenvolvimento da economia local, sem a necessidade de subsídios ou de despesas adicionais pois os recursos utilizados para a contratação dos serviços poderiam vir daqueles destinados atualmente à compra de software proprietário.

Pequenas ações a nível governamental podem fazer com que áreas tradicionalmente presas ao primeiro setor da economia possam vir a ser integradas na sociedade da informação, movimentando as economias locais, aumentando a qualidade de vida das suas populações através da criação e manutenção de um mercado consumidor.

Mas em um país sedento por divisas como o Brasil, a produção de software para exportação representa uma importante atividade que precisa ser incentivada. Como compatibilizar o modelo do software livre com a necessidade de exportação?

O software livre se adequa perfeitamente a um modelo de negócios baseado em serviços. No entanto, o fornecimento de serviços não se adequa de forma perfeita a uma economia de escala voltada à exportação. Felizmente, há soluções no software livre que permitem a produção de software segundo o modelo tradicional que não conflitam com o mercado de serviços que pode ser gerado por ele.

A produção de software com vistas à comercialização parte do pressuposto da proteção do que se convencionou chamar de “propriedade intelectual”. É a partir desta proteção que se permite a cobrança de royalties pela utilização de um determinado produto de software ou de uma idéia. No Brasil, esta proteção é dada pelo instituto do Direito Autoral, o Copyright. O Copyright garante ao autor de obra intelectual que a sua utilização somente se dará nos termos em que permitir. O Copyright também garante ao autor a possibilidade de cobrar um valor pela utilização da sua obra. É na possibilidade desta cobrança que a indústria de software se estrutura.

Não há incompatibilidade entre o software livre e o regime de Copyright. Quando a Free Software Foundation criou o Copyleft, deixou claro que não estava combatendo o direito de propriedade do autor com relação à sua obra, apenas criando uma nova condição para a sua utilização. Dentro do regime de Copyleft, o autor condiciona a utilização da sua obra à não geração de condições restritivas à mesma. Ou seja, uma obra derivada não pode impor condições de utilização que restrinjam aquelas originalmente impostas pelo seu autor original. Este é o que a indústria de software determinou ser o “aspecto viral” da GPL que tem o potencial de “contaminar” todo software desenvolvido dentro do conceito do software livre.

No entanto, esta cláusula da GPL somente se aplica àqueles softwares que a utilizem como forma de licenciamento. Licenças como a L-GPL permitem que componentes de software livre possam ser utilizados por produtos comerciais sem “contaminá-los”. Diversos softwares como o próprio OpenOffice.org são licenciados através de um modelo duplo onde a sua utilização e o acesso ao código são livres, desde que sem a finalidade de se produzir um novo software comercial. Estas licenças, no entanto, preservam mais das liberdades definidas pela Free Software Foundation que muitas empresas produtoras de software gostariam. De forma a preservar o interesse econômico das empresas e garantir os benefícios sociais do software livre, será necessária a utilização de um modelo de licenciamento que permita o acesso ao código fonte como garantia ao usuário e que, ao mesmo tempo, preserve os direitos à propriedade do software dos seus autores.

Há licenças como a “Sun Community Source License” ou a “University of Utah Public License” que permitem o acesso ao código fonte pelos usuários sem no entanto permitir a redistribuição dos produtos nas suas formas originais ou alteradas. Muito embora não constituam propriamente licenças de software livre, podem servir como um modelo de licença que garanta às empresas proteção suficiente contra a pirataria preservando, simultaneamente, os benefícios sociais inerentes ao software livre.

A adoção de um modelo de licenciamento onde se permita o acesso ao código fonte traz benefícios a toda a cadeia de produção e utilização de software: Aos usuários, pois passam a ter a garantia que mesmo que a empresa fornecedora do software venha a fechar as portas, o produto poderá ser mantido, corrigido e atualizado; aos fornecedores de serviços locais, com a criação de um novos mercados; às empresas produtoras de software, com a possibilidade de se aproveitarem do modelo de desenvolvimento aberto para melhorar continuamente os seus produtos através das sugestões, otimizações e melhorias providas por uma estrutura de suporte distribuída montada sem a necessidade de grandes investimentos e; à sociedade, com a melhoria da qualidade de vida permitida pela diferenciação e dinamização econômica dos pequenos é médios centros urbanos.

quarta-feira, 7 de abril de 2004

Por um Novo Modelo

Há um erro de estratégia no mundo Linux. Devido à visão radical de certos grupos que originaram os movimentos do Software Livre e do Código Aberto, a idéia de substituição de sistemas proprietários por sistemas abertos é uma constante. Parece haver um consenso entre defensores do software livre da mídia e da indústria, que o único caminho é o da substituição radical.

Esta posição de confronto entre os defensores do software proprietário e os do software aberto está de tal modo arraigada no pensamento da indústria de TI que gera relatórios como o do Yankee Group, nesta semana, onde, para a surpresa de todos, se chega à conclusão que os custos de migração de um ambiente Windows para o Linux inviabilizam a solução.

A reação dos radicais do “mundo livre” chegou ao ponto de serem enviados e-mails com ameaças aos autores do relatório. Em outra consultoria, a Forrester Group, um dos consultores pediu demissão, segundo nota publicada na Slashdot Estas posições apenas reforçam o confronto entre os dois grupos.

Mas a quem interessa o confronto?

Sem saber, a comunidade defensora do software aberto está fazendo o jogo do inimigo. Este confronto não é considerado sério pelos setores técnicos das empresas mas tem um peso considerável nas decisões tomadas por suas diretorias. São os diretores, especialmente aqueles que tem que prestar contas aos seus acionistas, que tomam a decisão de migrar ou manter os seus ambientes de TI. E para eles, só está sendo mostrado um mundo em preto e branco: ou se mantém todo o parque baseado em software proprietário ou se migra todo o parque para software aberto. Não há meio termo.

Ao caracterizar a comunidade do software aberto como sendo a de um bando de revolucionários que quer acabar com a economia como nós a conhecemos, os defensores do software proprietário ganham pontos junto aos tomadores de decisão. Em contrapartida à incerteza do desenvolvimento continuado, oferece-se a estabilidade contratual; aos elevados custos de uma migração total, o preço convidativo da migração para novas versões dos mesmos produtos em utilização. Independente de sua capacidade técnica, Linus Torvalds ainda é visto como um “geek”. Richard Stallman e John “maddog” Hall também não contribuem muito com o visual de um movimento sério, capaz de revolucionar a indústria como nós a conhecemos.

A indústria de software, por outro lado, sabe quem paga a conta. Sua imagem de “seriedade” é cuidadosamente estudada e exposta a um público altamente selecionado: aquele que decide a compra.

Há diversos fatores que devem ser considerados para o sucesso do software aberto: fatores financeiros, como a criação de formas constantes de custeio; fatores técnicos, como a correção de falhas em tempo hábil; e até fatores jurídicos, como a exigência de garantias por parte dos usuários. São todos fatores de extrema importância. Mas há um fator que não vem recebendo a consideração devida: o fator imagem.

É preciso jogar fora a casca de radicalismo que vem cobrindo o software aberto. É preciso evitar o confronto inútil gerado pela insistência em sempre se fazer uma substituição total. É preciso gerar um modelo de migração.

Sem um modelo de migração não há como se falar em substituição. O discurso radical somente atende aos interesses do outro lado. É preciso gerar um modelo que permita um futuro possível e não um futuro utópico, ideal e, inatingível. Receio apenas que quando a comunidade do software aberto chegar a este modelo, talvez já seja tarde demais.