domingo, 2 de maio de 2004

Sobre Gnus e Pingüins

Em 1984, foi iniciado um esforço por parte de alguns programadores do MIT para substituir componentes do Unix por versões gratuitas. O resultado deste esforço foi a criação de um ambiente que foi posteriormente chamado de GNU (GNU's Not Unix). O desenvolvimento do GNU foi centrado na substituição dos aplicativos e utilitários que compunham o Unix. O cerne do sistema, no entanto, continuava sendo o kernel do Unix. Este esforço foi comandado pelo então desenvolvedor do MIT, Richard Stallman.

Em 1991, um projeto de kernel de sistema operacional baseado no Minix (outra variação do Unix), foi iniciado como atividade acadêmica por um jovem desenvolvedor finlandês, Linus Torvalds. A princípio, não era mais que um projeto de hackers que não pretendia concorrer com o Hurd (kernel em desenvolvimento pelo GNU). Porém, com a disponibilização do Linux sob o regime de “Copyleft” em 1992, o kernel Linux passou a sofrer um desenvolvimento acelerado e passou a ser adotado por um número cada vez maior de usuários do GNU.

Em poucas palavras, este foi o início do sistema que hoje conhecemos por Linux (ou mais propriamente GNU/Linux). Fazem parte desta história, companhias como a Red Hat nos Estados Unidos, a SuSE na Europa e a Conectiva no Brasil que passaram a empacotar o Linux com os utilitários GNU, apresentando distribuições cada vez mais amigáveis e completas. O crescimento explosivo da aceitação do GNU/Linux por usuários, grandes corporações, e governos comprova que este casamento foi muito mais que bem sucedido.

Mas, apesar do casamento feliz, o atual ambiente GNU/Linux resulta de duas visões diferentes sobre o desenvolvimento de software e sua função social.

O projeto GNU é mais que simplesmente um projeto técnico. O GNU é uma proposta social que envolve software. A visão do GNU, através da Free Software Foundation, é a que a pessoa deve ser livre e ter livre acesso ao software. Esta liberdade é desdobrada em quatro liberdades básicas:

  • A pessoa deve ter livre acesso ao software;
  • A pessoa deve ter livre acesso ao fonte do software;
  • A pessoa deve ser livre para alterar o software e;
  • A pessoa deve ser livre para redistribuir o software modificado por ela ou por outros.

Só é considerado livre o software que atenda a todas estas quatro liberdades.

Já o Linux é fruto de outro movimento, conhecido como Open Source (Código Aberto). Não há um interesse social neste movimento e o livre acesso ao código é tratado como uma técnica de desenvolvimento e não como atividade social. No movimento Open Source o desenvolvimento e não a sociedade é o beneficiário do esforço.

Apesar de terem diversos pontos em comum, as visões de cada movimento são bastante diferentes. Não é de se estranhar, portanto, que algumas empresas adotem o Linux e o open source e outras ataquem o movimento de software livre com a mesma determinação.

Esta confusão entre os movimentos se estende ao governo, gerando mais confusão que esclarecimentos. Esta confusão fica mais evidente com declarações como as feitas por uma senadora em 2003: “O código aberto faz parte do resgate da cidadania dos brasileiros.” O Executivo também não fica muito atrás, promovendo a utlização de software open source como se fosse livre e vice versa.

As divergências entre software livre e código aberto só não se tornam mais evidentes pela existência de um “inimigo comum”, hoje personificado pela Microsoft e pela SCO. Enquanto existir este confronto, haverá uma paz relativa no mundo GNU/Linux.

O software livre atende às aspirações de liberdade do indivíduo. O código aberto, às necessidades dos desenvolvedores. As empresas conseguem compreender e conviver com o modelo de código aberto mas não muito bem com a idéia proposta pelo software livre.

O embate entre Open Source e Free Software já começa a ocorrer nos Estados Unidos e acabará ou com a “vitória” de uma das frentes ou com a criação de um novo conceito de desenvolvimento e uso de software resultante da compatibilização de ambos os movimentos.

O Brasil não pode ficar alheio a este debate. Cabe a nós ampliar a discussão para não ficarmos mais uma vez à mercê de decisões externas. Como indivíduos, podemos ter a opinião que quisermos. Como sociedade, no entanto, precisamos definir logo qual o modelo que adotaremos.