quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

O Canto da Sereia

A Verdadeira Face das Patentes de Software

Todos conhecem a lenda das sereias. Não aquelas dos filmes da Disney ou a dos Irmãos Grim. Me refiro às sereias da mitologia grega. Aquelas que com suas melodias sedutoras atraiam os pobres marinheiros para a morte nos rochedos. Assim como as sereias gregas, com seus rostos angelicais e corpos de aves de rapina, os defensores das patentes de software vêm encantando empresas em todo o mundo com discursos de como a proteçãoo garantida pelas patentes aumentaria a inovação tecnológica. As recentes ações de uma empresa Norte-Americana, a Trading Technologies, mostra, agora, a verdadeira face do perigo de se admitir as patentes de software.

O Escritório de Patentes dos Estados Unidos concedeu à Trading Technologies duas patentes para componentes de softwares comercializados por ela. São as patentes de número 6,772,132 e 6,766,304. Estas patentes cobrem mecanismos de otimização de trocas em bolsas eletrônicas de futuros. Como outras patentes de software concedidas para outras empresas americanas, estas seriam apenas mais duas com que os desenvolvedores de software teriam que se preocupar. No entanto, a Trading Technologies resolveu exercer o seu direito a estas patentes de uma forma inédita.

Em uma carta aberta de seis páginas publicada no Wall Street Journal e no Financial Times, a Trading Technologies diz que irá exercer os seus direitos sobre as patentes concedidas contra as próprias bolsas de futuros. Isso será feito através de uma pequena taxação de 2,5 centavos de Dólar para cada lado de uma transação. Segundo o Groklaw, isto resultaria em uma receita anual de 130 milhões de Dólares. Caso esta oferta não seja aceita, a Trading Technologies se veria obrigada a aumentar o preço do seu software bem como processar todos que estiverem usando qualquer software que infrinja as suas patentes. Nesta mesma carta a Trading Technologies indica que pode estudar ofertas de compra da companhia. O alvo da carta são as duas bolsas de futuros de Chicago e as bolsas européias Euronext.Liffe, na Inglaterra, e a Eurex, na Alemanha.

No melhor estilo de venda de proteção da Máfia de Chicago, a Trading Technologies, detentora de duas patentes chave para as bolsas de futuros, ameaça processar todos que não pagarem a taxa estabelecida por ela. Pela legislação americana, dada a importẫncia das patentes concedidas, a Trading Technologies se vê detentora do monopólio sobre a tecnologia de trocas em bolsas de futuros.

Ao invés de fomentar, como alegam os seus defensores, a Trading Technologies está provando que as patentes de software não apenas impedem a inovação como também permitem a construção de monopólios onde é dado às empresas detentoras das patentes o direito de impor taxações e restringir a utilização das suas patentes apenas àquelas empresas que se sujeitem às suas condições.

Em um cenário extremo, porém possível, a Trading Technologies pode, agora, taxar ou mesmo impedir o funcionamento de qualquer bolsa de futuros em qualquer país que aceite patentes de software.

Parafraseando Tolkien, se você está com medo das patentes de software, não está com medo suficiente.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

Sun Microsystems e as 1.600 Patentes

A comunidade do Software Livre recebeu com uma mistura de surpresa e curiosidade a notícia que a Sun estava abrindo o código do Solaris bem como liberando o acesso a 1.600 patentes de sua propriedade. Depois do anúncio da liberação de 500 patentes por parte da IBM, o anúncio da Sun pareceu reforçar a sensação que o discurso do Software Livre estava finalmente sendo reconhecido pelas grandes do setor de informática.

Mas à medida que mais detalhes vinham à tona, muitos começaram a notar que havia algo errado. Ao invés de usar uma licença existente, como a GPL, a Sun usou uma nova, a CDDL – Common Development and Distribution Licence, devidamente aprovada pela OSI. O problema com o anúncio da Sun começa, justamente, com a redação da CDDL.

Apesar de ser uma licença adequada para o Software Aberto, pois implica na publicação do fonte, a CDDL não se adequa para o Software Livre. Ao adotar a CDDL, a Sun deu com uma mão e tirou com a outra. Não é permitida a utilização de código licenciado pela CDDL em outro produto. Usar um código publicado sob a CDDL em um outro software deixa o desenvolvedor vulnerável a ser processado pela Sun por quebra de patente. A seção 2.2(d) da CDDL deixa isso bastante claro (a tradução é minha e o original pode ser conferido no site da Sun).

(d) Não obstante a Seção 2.2(b) acima, nenhum licenciamento de patente é concedido: (1) para qualquer código que o Contribuidor tenha excluído da Versão do Contribuidor; (2) para violações causadas por: (i) modificações de terceiros à Versão do Contribuidor; ou (ii) a combinação de Modificações feitas por aquele Contribuidor com outro software (exceto como parte da Versão do Contribuidor) ou outros dispositivos; [...]

Basicamente, ao dizer que não há licença concedida para a combinação de modificações com outro software, a Sun impede que qualquer código do OpenSolaris seja usado em qualquer outro software que não o próprio OpenSolaris. Com esta redação, a Sun mantém o Solaris onde sempre esteve, sob o controle da própria Sun. Esta posição foi reforçada em um evento da Sun em 1 de Fevereiro onde ficou claro que a Sun abriu mas não libertou nem o código do Solaris nem as suas 1,600 patentes. (O evento está disponível para visualização no site da Sun).

Se a CDDL não é livre, então o que a Sun está querendo? Porque não adotar o modelo de licenciamento duplo, como a própria Sun fez com o OpenOffice.org? A resposta a estas perguntas deve estar bem guardada na cabeça dos executivos da Sun. Tudo o que posso fazer é considerar o que é publicado para tentar entender o real propósito por trás da abertura do código do Solaris.

Com o Linux consolidado como alternativa viável para o mercado de servidores, a Sun viu o Solaris perder cada vez mais espaço nas decisões de compras de novas instalações e até nas atualizações das versões de Solaris existentes. Analisando o progresso do Linux e de outros projetos de Software Livre, a Sun finalmente acordou para a força da comunidade. As suas experiências prévias com o StarOffice/OpenOffice.org e com a linguagem Java são provas irrefutáveis da força da comunidade para o desenvolvimento de um produto. No entanto, ao invés de adotar um modelo de licenciamento duplo como o que foi feito com o StarOffice/OpenOffice.org, a Sun optou por abrir o código do Solaris com uma única licença não livre. De certa forma, como fez com o Java. Qual a diferença? Porque não adotar o modelo de licenciamento bem sucedido do StarOffice/OpenOffice.org?

Há uma enorme diferença na origem dos produtos. O Java quanto o Solaris são produtos desenvolvidos pela própria Sun enquanto o StarOffice/OpenOffice.org foi comprado de outra empresa. Seria esta a diferença? Será que a Sun considera os seus próprios produtos mais dignos de proteção que aqueles adquiridos de terceiros? Aparentemente, a resposta a esta pergunta é: sim.

No evento realizado em 1 de Fevereiro, o próprio Scott McNeally disse não acreditar que uma empresa não deve proteger sua propriedade intelectual. Neste mesmo evento foi dito que a Sun não pretende processar programadores de software aberto que utilizem suas patentes. No entanto, a redação dada a licença diz algo um pouco diferente. A CDDL diz claramente que a Sun se compromete a não processar desenvolvedores que utilizem as patentes e o código do OpenSolaris desde que o desenvolvimento seja mantido dentro do próprio OpenSolaris. Esta proteção não é estendida para programadores que incluam código do OpenSolaris em outros produtos. Neste caso, a própria Sun pode processar o desenvolvedor por estar utilizando indevidamente sua propriedade intelectual.

A Sun deve estar esperando que uma comunidade de desenvolva em torno do OpenSolaris. Uma comunidade que seja capaz de fazer com que o produto volte a ter a força que teve um dia. É possível que a Sun também acredite que possa seduzir desenvolvedores Linux para começarem a trabalhar no OpenSolaris diminuindo, assim, a força da comunidade Linux permitindo uma recuperação do Solaris junto às empresas.

Há muitas possibilidades mas só a Sun sabe o que realmente pretende com a abertura do OpenSolaris sob a CDDL. O que fica é apenas a certeza que o comprometimento da Sun com o Software Livre não é tão grande assim. A abertura do Solaris e das 1.600 patentes não nada mais que um golpe de marketing, atraindo a atenção da mídia e fazendo com que a Sun voltasse às páginas dos noticiários.

Afinal, dentro destas 1.600 patentes não há uma única que se refira a parafusos invioláveis.