sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

Sun Microsystems e as 1.600 Patentes

A comunidade do Software Livre recebeu com uma mistura de surpresa e curiosidade a notícia que a Sun estava abrindo o código do Solaris bem como liberando o acesso a 1.600 patentes de sua propriedade. Depois do anúncio da liberação de 500 patentes por parte da IBM, o anúncio da Sun pareceu reforçar a sensação que o discurso do Software Livre estava finalmente sendo reconhecido pelas grandes do setor de informática.

Mas à medida que mais detalhes vinham à tona, muitos começaram a notar que havia algo errado. Ao invés de usar uma licença existente, como a GPL, a Sun usou uma nova, a CDDL – Common Development and Distribution Licence, devidamente aprovada pela OSI. O problema com o anúncio da Sun começa, justamente, com a redação da CDDL.

Apesar de ser uma licença adequada para o Software Aberto, pois implica na publicação do fonte, a CDDL não se adequa para o Software Livre. Ao adotar a CDDL, a Sun deu com uma mão e tirou com a outra. Não é permitida a utilização de código licenciado pela CDDL em outro produto. Usar um código publicado sob a CDDL em um outro software deixa o desenvolvedor vulnerável a ser processado pela Sun por quebra de patente. A seção 2.2(d) da CDDL deixa isso bastante claro (a tradução é minha e o original pode ser conferido no site da Sun).

(d) Não obstante a Seção 2.2(b) acima, nenhum licenciamento de patente é concedido: (1) para qualquer código que o Contribuidor tenha excluído da Versão do Contribuidor; (2) para violações causadas por: (i) modificações de terceiros à Versão do Contribuidor; ou (ii) a combinação de Modificações feitas por aquele Contribuidor com outro software (exceto como parte da Versão do Contribuidor) ou outros dispositivos; [...]

Basicamente, ao dizer que não há licença concedida para a combinação de modificações com outro software, a Sun impede que qualquer código do OpenSolaris seja usado em qualquer outro software que não o próprio OpenSolaris. Com esta redação, a Sun mantém o Solaris onde sempre esteve, sob o controle da própria Sun. Esta posição foi reforçada em um evento da Sun em 1 de Fevereiro onde ficou claro que a Sun abriu mas não libertou nem o código do Solaris nem as suas 1,600 patentes. (O evento está disponível para visualização no site da Sun).

Se a CDDL não é livre, então o que a Sun está querendo? Porque não adotar o modelo de licenciamento duplo, como a própria Sun fez com o OpenOffice.org? A resposta a estas perguntas deve estar bem guardada na cabeça dos executivos da Sun. Tudo o que posso fazer é considerar o que é publicado para tentar entender o real propósito por trás da abertura do código do Solaris.

Com o Linux consolidado como alternativa viável para o mercado de servidores, a Sun viu o Solaris perder cada vez mais espaço nas decisões de compras de novas instalações e até nas atualizações das versões de Solaris existentes. Analisando o progresso do Linux e de outros projetos de Software Livre, a Sun finalmente acordou para a força da comunidade. As suas experiências prévias com o StarOffice/OpenOffice.org e com a linguagem Java são provas irrefutáveis da força da comunidade para o desenvolvimento de um produto. No entanto, ao invés de adotar um modelo de licenciamento duplo como o que foi feito com o StarOffice/OpenOffice.org, a Sun optou por abrir o código do Solaris com uma única licença não livre. De certa forma, como fez com o Java. Qual a diferença? Porque não adotar o modelo de licenciamento bem sucedido do StarOffice/OpenOffice.org?

Há uma enorme diferença na origem dos produtos. O Java quanto o Solaris são produtos desenvolvidos pela própria Sun enquanto o StarOffice/OpenOffice.org foi comprado de outra empresa. Seria esta a diferença? Será que a Sun considera os seus próprios produtos mais dignos de proteção que aqueles adquiridos de terceiros? Aparentemente, a resposta a esta pergunta é: sim.

No evento realizado em 1 de Fevereiro, o próprio Scott McNeally disse não acreditar que uma empresa não deve proteger sua propriedade intelectual. Neste mesmo evento foi dito que a Sun não pretende processar programadores de software aberto que utilizem suas patentes. No entanto, a redação dada a licença diz algo um pouco diferente. A CDDL diz claramente que a Sun se compromete a não processar desenvolvedores que utilizem as patentes e o código do OpenSolaris desde que o desenvolvimento seja mantido dentro do próprio OpenSolaris. Esta proteção não é estendida para programadores que incluam código do OpenSolaris em outros produtos. Neste caso, a própria Sun pode processar o desenvolvedor por estar utilizando indevidamente sua propriedade intelectual.

A Sun deve estar esperando que uma comunidade de desenvolva em torno do OpenSolaris. Uma comunidade que seja capaz de fazer com que o produto volte a ter a força que teve um dia. É possível que a Sun também acredite que possa seduzir desenvolvedores Linux para começarem a trabalhar no OpenSolaris diminuindo, assim, a força da comunidade Linux permitindo uma recuperação do Solaris junto às empresas.

Há muitas possibilidades mas só a Sun sabe o que realmente pretende com a abertura do OpenSolaris sob a CDDL. O que fica é apenas a certeza que o comprometimento da Sun com o Software Livre não é tão grande assim. A abertura do Solaris e das 1.600 patentes não nada mais que um golpe de marketing, atraindo a atenção da mídia e fazendo com que a Sun voltasse às páginas dos noticiários.

Afinal, dentro destas 1.600 patentes não há uma única que se refira a parafusos invioláveis.