sexta-feira, 5 de maio de 2006

Software Livre: Economia e Desenvolvimento

O setor de informática no Brasil é deficitário. Quando pensamos em balança de pagamentos, o setor, segundo dados da Softex, apresenta um déficit na balança comercial brasileira entre 5 e 7 bilhões de dólares. Deste valor, só o software é responsável por aproximadamente 1 bilhão.

O que querem dizer estes números? O que representam?

Em dez anos, enquanto o PIB brasileiro cresceu 25%, o mercado interno de bens e serviços de informática cresceu 600%. Quando confrontamos este crescimento com os valores exportados a títulos de royalties, vemos que o Brasil se tornou um ávido consumidor de informática. Infelizmente, não fomos capazes de também nos tornarmos um grande produtor neste setor.

As políticas para a informática no Brasil, aliadas às políticas de produção de conhecimento, sempre foram demasiadamente protecionistas ou liberais, sujeitando-se a modas e ideologias sem nunca se preocupar com a definição de um modelo sério e sustentável de desenvolvimento. O resultado de anos de políticas incorretas e vagas é representado pelo déficit do setor na nossa balança comercial. Não produzimos conhecimento, o importamos.

O modelo de produção de hardware atende a critérios econômicos consagrados e é regulado pelo próprio mercado. Já o software representa um modelo completamente novo de produção. Em um mercado equilibrado, a demanda e oferta de bens estabelece e regula preços incentivando a competição. Os limites de preço e lucratividade são estabelecidos pela escassez dos bens ofertados. O modelo atual de produção de software se baseia, incorretamente, nesta idéia.

Para que uma empresa produtora de software seja lucrativa neste contexto, é necessário que o software seja um bem escasso. Esta escassez permite que os produtores de software estabeleçam preços que remunerem os custos de produção além de estabelecer um prêmio pelo qual seus clientes estão dispostos a pagar para obter o software.

Ocorre que esta escassez é artificial. Para que exista, as empresas produtoras de software desenvolveram um modelo de comercialização onde regulam, de forma arbitrária, a oferta dos seus produtos, tornando-os artificialmente escassos e elevando os seus preços. O resultado? Um bilhão de dólares remetidos ao exterior anualmente na forma de royalties.

Este modelo foi subitamente ameaçado com a popularização do Software Livre. Subitamente, um novo modelo de desenvolvimento baseado na colaboração, inerente à produção do conhecimento.

A reação das indústrias “tradicionais” de software foi primeiro a de tentar diminuir o movimento tentando mostrá-lo como sendo um passatempo de adolescentes sem maior seriedade. À medida que as soluções desenvolvidas em Software Livre ganharam não apenas consistência mas confiabilidade, a indústria começou a se dividir. Parte da indústria aceitou o novo modelo e passou também a colaborar no desenvolvimento de softwares que hoje são estratégicos para grande parte da economia, tanto a real quando a virtual. Outra parte, no entanto, passou a atacar o próprio modelo, alegando que a adoção do Software Livre representaria o fim da indústria.

Em parte, não erraram. A adoção do Software Livre representa, sim, o fim de uma indústria criada a partir do uso de modelos econômicos que não se aplicam ao desenvolvimento de software. Modelos que, quando aplicados ao software, se mostraram frágeis ao ponto de serem questionados e demolidos por pequenos grupos de desenvolvedores espalhados pelo mundo.

Software é a corporificação de idéias e do conhecimento gerado pela humanidade. A importância da idéia já era reconhecida em 1813 por Thomas Jefferson que em uma carta a Isaac McPherson escreveu:

Se a natureza fez algo menos susceptível que qualquer outra de propriedade exclusiva, foi a ação do poder do pensamento chamada de idéia, que um indivíduo pode possuir exclusivamente enquanto a mantenha para si; mas a partir do momento que é divulgada, ela se força na posse de todos e o recebedor não pode se desfazer dela. É sua característica peculiar, também, que ninguém a possui menos por outro possuir o todo dela. Aquele que recebe de mim uma idéia, recebe também instrução, sem diminuir a minha; assim como aquele que acendendo sua lamparina na minha, recebe luz sem me escurecer. Que idéias devam se espalhar livremente de um para o outro ao redor do globo, para a instrução moral e mútua do homem e melhoramento da sua condição, parece ter sido particular e benevolentemente projetado pela natureza quando as criou, como o fogo, expansível por todo o espaço, sem diminuir sua densidade em nenhum ponto, e como o ar em que respiramos, nos movemos, e temos nossa presença física, incapaz de confinamento ou apropriação exclusiva...

O Software Livre é o elo mais recente de um processo de desenvolvimento cultural e ético. Idéias corporificadas em instruções que se tornaram parte integrante de nossas vidas. Hoje é inconcebível a vida sem software. Dependemos dele para as ações mais simples do nosso cotidiano. Esta dependência do software, e da informática como um todo, faz com que quem controle o suprimento de conhecimento, de idéias, controle a vida de outros.

A indústria de software precisa mudar. É necessária a democratização do conhecimento e o estabelecimento de condições para a livre troca de idéias. É nestas condições que teremos a chance de diminuir a distância entre consumo e produção de conhecimento. O Software Livre dá aos desenvolvedores nacionais, a oportunidade única de livre acesso ao conhecimento e às idéias de outros desenvolvedores.

Criar condições para que este acesso se mantenha é responsabilidade de todos, não apenas do Estado. É preciso criar condições para que pequenos prestadores de serviços espalhados por todo o nosso território tenham acesso ao conhecimento gerado. Através do livre acesso às idéias em código de programas é que o verdadeiro desenvolvimento econômico e social ocorrerá. Enquanto aceitarmos passivamente a imposição de um mercado artificial, controlado por umas poucas empresas, continuaremos a enviar bilhões de dólares em royalties.