quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Estatísticas

A ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software encomendou à Ipsos Public Affairs uma pesquisa sobre o programa Computador para Todos com quatro perguntas e dois objetivos, segundo a própria pesquisa as perguntas foram:

1) O programa Computador para Todos está atingindo seu objetivo principal de aumentar a posse de computadores entre as pessoas da classe C? Isto é, são as pessoas desta classe que estão participando do programa?
2) A estratégia dupla do Programa de facilitar crédito pessoal e baratear o preço está correta? Isto é, porque as pessoas participam do programa? Por causa do preço barato e da facilidade de pagamento?
3) Houve troca do sistema operacional em software livre por um sistema operacional comercial depois da compra? Se sim, qual a proporção?
4) Onde e como o usuário adquiriu o novo sistema operacional? Quanto pagou por ele?

Quanto aos objetivos, ainda segundo a pesquisa:

As duas primeiras perguntas acima se referem aos objetivos do programa de inclusão digital Computador para Todos. Já as perguntas 3 e 4 acima referem-se às suas conseqüências não intencionais.

Apesar de interessante, apenas um ponto da pesquisa foi alardeado pela mídia e discutido: 73% dos compradores do Computador para Todos substituíram a base de software instalada pelo Windows. Depois de procurar um pouco, consegui baixar uma cópia da pesquisa e li as suas quinze páginas com bastante atenção.

Não pude deixar de me lembrar das palavras de meu pai: “Estatística é como poste de interior. É muito boa para se apoiar, mas ilumina muito pouco.” Senti essa sensação ao ler a pesquisa e os seus números.

Não discuto aqui a metodologia usada pela Ipsos. Até onde sei, trata-se de uma empresa multinacional respeitada no mercado. No entanto, a pesquisa encomendada pela ABES parte de uma premissa, a de que boa parte dos compradores do Computador para Todos substituíram o software instalado por versões piratas de produtos comerciais. Especificamente, o sistema operacional. E as perguntas feitas para confirmar a tese não buscaram esclarecer os motivos que levaram o comprador a fazer a troca.

Me parece que o único objetivo da pesquisa foi o de culpar o programa Computador para Todos pelo incentivo à pirataria de software. Como sempre, a culpa é do governo.

Apesar de apresentar um cenário preocupante, a pesquisa apresenta outros números que não foram alardeados e, nem sequer, comentados pela mídia. Talvez porque o relatório da pesquisa não tenha sido lido, talvez por terem publicado apenas press-releases, talvez por outros motivos. Não sei.

O que sei é que a pesquisa confirma o sucesso, embora parcial, do programa para a inclusão digital da, assim chamada, “Classe C”, que segundo a pesquisa representa 37% da população brasileira. Para 86% dos pesquisados, o computador adquirido pelo programa foi o primeiro computador da casa. Apenas este número já pode ser considerado um sucesso. Como disse, o sucesso ainda é parcial. Há um enorme contingente de pessoas que devem ser incluídas economicamente antes de podermos falar em inclusão digital.

Mas, a pesquisa fica realmente interessante quando lemos sobre as “conseqüências não intencionais” do programa. É nesta parte que o relatório mostra que 73% dos compradores substituíram o Software Livre instalado por um sistema operacional comercial.

Não houve preocupação em descobrir a motivação nem tampouco saber se os compradores também instalaram outros programas além do sistema operacional. A pesquisa foi dirigida apenas para o confronto Linux x Windows.

Ficando apenas neste cenário, a pesquisa revela, no entanto, alguns números interessantes que comprovam, mais uma vez, o sucesso do programa e das soluções de Software Livre.

Para 47% dos entrevistados, o Windows foi instalado a custo zero. Talvez este número seja maior pois 14% dizem não saber o quanto pagaram pelo Windows. Quando vemos que a instalação do Windows nas máquinas foi feito, em sua grande maioria, por amigos ou parentes (35%, segundo a pesquisa) vemos que, não é o programa Computador para Todos que é responsável pela pirataria mas sim, o próprio efeito de rede que ajuda na disseminação do Windows.

Na verdade, já foi demonstrado1 que a Microsoft se beneficia da pirataria[1]. A pirataria faz com que mais pessoas aprendam a trabalhar com os seus produtos, aumentando e potencializando o efeito de rede. Ou nas palavras do próprio Bill Gates em um momento de distração em 1998, sobre a pirataria de software na China:

"As long as they're going to steal it, we want them to steal ours," he said of Chinese users, according to Fortune magazine. "They'll get sort of addicted, and then we'll somehow figure out how to collect sometime in the next decade."[2 e 3]

Ao contrário do que indica a publicidade da ABES, a pesquisa não consegue demonstrar que o Computador para Todos tem como conseqüência a pirataria. Seriam necessários mais estudos, inclusive para determinar se as pessoas têm idéia do que seja pirataria e licenciamento de software. O que vemos é o efeito de rede em ação.

Dentro deste contexto, sabendo que o Windows ainda é usado por mais de 90% dos computadores pessoais no mundo, uma permanência de 23% dos computadores comprados pelo programa Computador para Todos em Software Livre é uma vitória.

Precisamos, no entanto, fazer este número crescer. Precisamos aumentar o efeito de rede das soluções de Software Livre. E isso não se faz apenas conscientizando o usuário. Segundo a pesquisa da Ipsos, 18% daqueles que informaram terem trocado o Linux pelo Windows, o fizeram através de técnicos da própria loja onde compraram os computadores. Além do efeito da rede, temos também que impedir que os próprios vendedores incentivem a pirataria. Eles, sim, têm noção dos preços dos produtos que vendem.

O programa Computador para Todos está longe de ser perfeito. Ainda há muito terreno a cobrir. No entanto, se confirmada a permanência de 23% dos usuários com soluções de Software Livre, já temos um dos maiores casos de sucesso de popularização do Software Livre no mundo.

Referências


[1] http://hbswk.hbs.edu/item/4834.html
[2] http://www.chinalawblog.com/chinalawblog/2006/05/chinese_softwar.html
[3] http://larryborsato.com/blog/2006/04/the_benefits_of_piracy.html

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