terça-feira, 30 de outubro de 2007

Número Cabalístico

Não sei qual a fixação que temos com o número 7. Me parece que sempre que alguém quer provar um ponto e precisa encontrar um número qualquer de argumentos a favor ou contra, escolhe o número 7. Tenho minhas restrições, afinal, meu avô já dizia que 7 é conta de mentiroso...

O último artigo que li com este número foi publicado pelo Alexander Wolfe da InformationWeek e traduzino na IT Web. O título, sugestivo, é Sete motivos por que o Linux não terá sucesso em computadores desktop. Já li diversas listas do tipo e normalmente só fico sabendo delas depois. Como esta foi transcrita na lista do PSL-Brasil, fiquei sabendo dela mais cedo que o normal. Ou seja, ainda dá tempo de comentar.

Acho interessante a noção que o mundo é preto e branco. É uma visão de mundo que limita em demasia as escolhas e rende frutos bastante amargos. Logo na introdução, o Wolfe deixa claro que o mundo está dividido entre luz e trevas, entre Windows e Linux em proporções que claramente colocam o Linux em desvantagem. Como alguém pode discordar de tal lógica?

Mas vamos com calma. Nem tudo deve estar perdido. Algum resquício de raciocínio deve existir perdido no meio do texto. Espero.

1. Os custos de adaptação dos aplicativos são proibitivos

Apesar de não dizer com todas as letras, o Wolfe toca em um ponto extremamente importante: usamos aplicativos e não sistemas operacionais. Apesar disso, ele dá um peso muito grande a aplicativos que atuam em nichos de mercado. É certo que enquanto a base instalada de Linux for inferior a 10% (outro número cabalístico muito citado na rede) não haverá interesse em desenvolver portes de aplicativos como o AutoCAD para o GNU/Linux. O que ele esquece de mencionar é que a grande maioria do mercado não usa estes aplicativos, ou killer applications como dizem alguns. A grande maioria usa aplicativos de correio, navegadores, editores de texto, planilhas e programas de apresentação.

Mesmo o desafio de compatibilizar aplicativos às diversas distribuições disponíveis no mercado não é uma tarefa tão árdua assim. Esforços como o LSB vêm tornando as distribuições cada vez mais compatíveis entre si e produtos como o BrOffice.org que rodam sem problemas em quase todas as distribuições mostram que o problema não é logístico mas sim de vontade.

2 e 4. Fanáticos e alienados

Isso sempre existiu e até onde sei não prejudicou nem um pouco o mercado de automóveis. Conheço fanáticos por Mercedes Benz que não perdem a oportunidade de ridicularizar qualquer um que considere a mais remota hipótese de elogiar a engenharia de um outro fabricante.

Atribuir o fanatismo apenas aos defensores do Software Livre é tão leviano quanto dizer que o usuário médio não está nem aí. Software Livre é muito mais que um projeto técnico e isso só faz sentido quando se vê um mundo onde predomina o mercado e a visão que o conhecimento precisa ser monetarizado na forma de produtos.

Ouvir um discurso inflamado contra o Software Livre por parte do Balmer é uma experiência tão irritante quanto ouvir o Stalman falar em liberdade pela enésima centésima vez. Cada um no seu canto do ringue polarizando cada vez mais o tema ao invés de debatê-lo.

Um produto que já venha instalado no computador tenderá a continuar instalado. Mesmo que o usuário nunca o use. A maioria das pessoas nem sabe o que está instalado nos computadores que compram para ler seus e-mails e navegar na Internet. Os fabricantes de computadores não se preocupam com o que os seus compradores precisam preferindo seguir a linha do "mais é melhor" incluindo uma quantidade enorme de software inútil e caro.

Da mesma forma, os defensores do Software Livre, como bandeira política, se esquecem que muitos trocam a liberdade pela conveniência sem se preocupar com o preço que pagarão por isso. Somos uma espécie muito comodista.

3. Não é possível ganhar dinheiro com o sistema operacional

Esqueceram de avisar a Red Hat e a Novell.

Mas, na verdade, ele está certo. Não se ganha dinheiro com o sistema operacional. Ganha-se dinheiro com os serviços prestados. Aliás, o mercado tende a isso, à prestação de serviços baseados em software. O modelo de venda de caixinhas está se esgotando rapidamente ao ponto em que o maior concorrente do Office 2007 continua sendo o Office 97.

5. O Linux é simples....

Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Apesar de ter um número diferente, é a mesma questão das aplicações levada ao hardware. Atribui-se à falta de mercado o desinteresse dos fabricantes de hardware em desenvolver drivers para os seus dispositivos. Na verdade, os fabricantes buscam prender os seus clientes tornando difícil a migração para a concorrência. Quando compramos um dispositivo USB qualquer que "simplesmente funciona", esquecemos que ele instala coisas no nosso computador que podem dificultar a instalação de um outro dispositivo de mesma função fornecido por um outro fabricante.

Se os fabricantes de dispositivos se concentrassem na adoção de padrões, poderiamos trocar placas e periféricos sem a preocupação de saber se o novo dispositivo irá entrar ou não em conflito com o que já temos instalado nas nossas máquinas. Os fabricantes, no entanto, preferem desenvolver drivers a custos elevados para manter uma clientela cativa.

6. Existem demasiadas distribuições

Pessoalmente, acho que existem poucas. Uma distribuição é um empacotamento de conveniência. Escolho esta ou aquela devido aos pacotes de software que vêm no conjunto de instalação. Novamente, este argumento deve ser visto em conjunto com o primeiro e não deve ser um novo. Acho que isso deveria fazer com que o artigo original passasse a 6 razões e não 7. Para não repetir tudo o que já disse, voltem e leiam o item 1 novamente.

7. Linux não tem nenhum defensor...

Bill Gates e Steve Jobs são admirados não pelos produtos que criaram mas pelas empresas. E isso é um ponto a favor do Linux e não contra. Quando, espero que em um futuro distante, Bill Gates morrer, quem vai ser o novo defensor do Windows? Balmer? E no caso da Apple? O simpático Wozniak já não aparece a muito tempo desde que Jobs assumiu integralmente a empresa.

Não ter um rosto pode dificultar a compreensão do produto em um mundo em preto e branco. Ainda bem que a vida real não é assim. Pelo menos por muito tempo.

O que passa desapercebido para o Wolfe é o fato que o que nos prende hoje a um sistema operacional é a grande quantidade de arquivos gerados por programas que só funcionam em um único sistema operacional. Mesmo que existam produtos concorrentes, o usuário de AutoCAD dificilmente abandonará o produto pois muito provavelmente o concorrente não conseguirá tratar os arquivos existentes com a mesma fidelidade de formato. É aqui que a coisa complica. Tratar o problema pelo lado da aplicação é ver um mundo em preto e branco onde a única verdade é aquela determinada pelo fabricante do software que abre o arquivo do qual dependo.