segunda-feira, 2 de junho de 2008

Adotar, estender, extinguir

Para quem não se lembra, o título deste post vem da estratégia que a Microsoft vem usando faz muito tempo. Originalmente, a expressão era "embrace, extend, then innovate" e foi cunhada por J Allard em 1994 em um memorando interno da empresa. A parte que interessa é a seguinte:

"De forma a construir o respeito necessário e ganhar as mentes da comunidade Internet, recomendo uma receita que não é diferente da que usamos com os nossos esforços com o TCP/IP: adotar, estender e então inovar. Fase 1 (Adotar): todos os participantes precisam estabelecer um entendimento sólido da infra-estrutura e da comunidade - determinar as necessidades e tendências da base de usuários. Só então podemos habilitar os produtos de sistemas Microsoft a serem grandes sistemas Internet. Fase 2 (Estender): estabelecer relacionamentos com organizações e corporações apropriadas com objetivos semelhantes aos nossos. Oferecer ferramentas e serviços integrados compatíveis com padrões estabelecidos e populares que tenham sido desenvolvidos na comunidade Internet. Fase 3 (Inovar): mover-nos para um papel de liderança com novos padrões Internet quando apropriado, habilitar títulos de prateleira com capacidades Internet. Mudar as regras: o Windows se torna a ferramenta Internet de nova-geração do futuro."[1]
Já em 1995, segundo a ação antitruste movida contra a empresa, a expressão tornou-se "embrace, extend and extinguish". Esta idéia passou a nortear muitas das estratégias da empresa com exemplos como o próprio Internet Explorer que incorporou muitas "inovações" que só ele suportava, o Active Directory, baseado nos mecanismos de autenticação do Kerberos e os serviços de diretório do LDAP que mudaram tanto que não é mais compatível com nenhum deles sem muito trabalho. Isso sem falar das adaptações à JVM que, na prática, criaram por algum tempo uma JVM Microsoft que ninguém, a não ser ela, podia implementar.

Mas o que isso tem a ver com o ODF? Recentemente a Microsoft anunciou que o seu produto Office terá suporte nativo ao ODF já em 2009. Esta notícia foi acompanhada pela outra que a empresa irá participar do grupo do Consórcio OASIS que mantém o ODF. Esta notícia foi saudada por muitos como uma grande novidade, como sendo a capitulação da Microsoft, e outras expressões mais ou menos entusiasmadas.

Pessoalmente, acho preocupante a atitude da Microsoft. Depois de gastar muito dinheiro, esforço e imagem na farsa que foi a aprovação do MOOXML na ISO, ela simplesmente desiste de implementar o formato alegando que não há produtos que o suportem no mercado? E quanto ao próprio Office? Ah, me esqueci que a Microsoft já havia avisado ao mundo que não poderia se comprometer com o "padrão" aprovado.

Mas mesmo assim, será que a empresa acha que o MOOXML, por não ter produtos que o implementem, não merece ser implementado nem pela própria empresa que o criou? Não faz sentido.

Espero estar errado mas isso tudo me parece mais um ciclo da estratégia de adotar, estender e extinguir. Não ficarei nada surpreso quando o Office começar a implementar extensões que só ele é capaz de usar. A princípio, virão como pedidos de funcionalidades ou demandas dos seus usuários. Uma vez estabelecidos, no entanto, serão rapidamente transformados em "padrões de fato", deixando-nos novamente a ver navios, completamente dependentes e presos.