- Li hoje um tweet da @saladeprensa, "retuitado" pelo @cssoares que me pôs a pensar sobre livros físicos e eletrônicos.
- A UNESCO definiu, em 1964, um livro como sendo um impresso não periódico de 48 páginas ou mais, excluindo as capas, publicao no país e acessível ao público[1]. Esta definição foi acolhida no Brasil pela ABNT na NBR 6029 que o define como sendo uma “Publicação não periódica que contém acima de 49 páginas, excluídas as capas, e que é objeto de Número Internacional Normalizado para Livro (ISBN).”[2]
- Em comum estas definições vêm de um tempo em que conteúdo e suporte eram inseparáveis. Nada mais lógico que definir o livro pelo que pode ser quantificado de forma indiscutível, o número de páginas. Ou seja, um livro é um produto físico.
- Estas definições também refletem a forma como o mercado editorial era organizado, com clara distinção entre as funções de autor, editor, distribuidor e revendedor. Cada um representando um elo da cadeia de distribuição de um produto que chamamos de “livro”.
- Mesmo no caso de autores que se auto-publicam, os elementos desta cadeia de distribuição se mantém. A diferença fica apenas a cargo de quem assume o risco financeiro da publicação. Em situações “normais”, a editora assume o risco adquirindo os direitos de publicação do autor distribuíndo o livro às livrarias que se encarregam de fazer a ponte final com o consumidor (no caso, nós leitores).
- O modelo tradicional continua ativo. No mercado norte-americano, a venda de livros chegou a US$ 11,67 bilhões em 2010 com os livros eletrônicos atingindo vendas de US$ 49,5 milhões.[3] Apesar de relativamente pequeno, a venda de eBooks, os tais livros eletrônicos (ou digitais), cresceu 164,8 por cento de 2009 para 2010, demonstrando que os livros eletrônicos não são uma moda passageira e vão representar um peso cada vez maior no mercado editorial como um todo.
- No Brasil, os dados são controversos, incertos e confusos mas há a certeza que o brasileiro lê pouco. Seja pelo preço dos livros, seja por deficiências na educação, o fato é que o mercado editorial brasileiro não chega nem aos pés do norte-americano.
- Uma apresentação publicada pelo Carlo Carrenho[4], ilustra bem a nossa situação. Enquanto é possível encontrar milhares de títulos originais em inglês na Amazon, no Brasil, em 2010, havia apenas 5.000 (cinco mil) títulos com uma grande sopreposição entre os catálogos dos fornecedores.
- Estes mesmos estudo mostram que o modelo tradicional de manter conteúdo e suporte unos, persiste. As vendas de livros eletrônicos estão fortemente vinculadas a uma família de novas máquinas de leitura, os e-Readers sendo o Kindle, da Amazon e o Nook da Barnes & Noble os mais representativos lá fora. Há também outros leitores como o Cooler e o iRiver além do Alfa, produzido pela Positivo aqui no Brasil. Todos estes leitores trazem consigo o mesmo conceito de aprisionamento do conteúdo ao suporte. O Nook não exibe livros vendidos pela Amazon e o contrário também é verdadeiro para o Kindle que não exibe os livros vendidos pela Barnes & Noble. Os demais utilizam a tecnologia do Adobe Digital Editions para garantir a vinculação do conteúdo ao formato exigido pelas editoras.
- Todos estes leitores também conseguem ler um padrão aberto, o ePub, mantido pela IDPF[5] mas nem todas as editoras fazem questão de publicar seus livros neste formato.
- O mercado editorial faz um esforço gigantesco para transpor o modelo “tradicional” para o novo mundo eletrônico, destacando as vantagens deste ou daquele equipamento de leitura para atender aos seus interesses. Não há números mas ao ver o destaque do Kindle e do Nook nas páginas das empresas que os vendem, nota-se que é mais importante vender o equipamento. Os livros vem como consequência. Um comportamento muito parecido com o mercado de jogos eletrônicos.
- Desde o início das discussões sobre a utilização de padrões abertos para documentos eletrônicos ficou claro que não é mais ético vincular o conteúdo ao seu suporte. Empresas de software continuam a tentar provar o contrário, agindo da mesma forma que Amazon e Barnes & Noble na promoção dos seus eReaders. Os produtos é que são promovidos como desejáveis e não o conteúdo para o qual foram projetados para exibir.
- E no Brasil?
- Não tenho dados, apenas uma coleção de experiências pessoais ao tentar comprar livros eletrônicos da Livraria Cultura e da Saraiva. Nos dois casos, desisti. O pequeno número de títulos originais em Português desestimula. Se for para comprar literatura estrangeira, compro o original na Amazon e leio no meu Kindle para Android por um preço muito menor. Segundo, pela Cultura usar o Adobe Digital Editions, ferramenta que não funciona no Linux. Sem essa ferramenta, não posso baixar e “instalar” os livros da Cultura no meu dispositivo de leitura. No caso da Saraiva, há um software para Android que cheguei a instalar mas pequena quantidade de títulos originais me desestimulou. Continuo comprando livros eletrônicos na Amazon.
- Mesmo assim, vejo uma luz no fim do túnel.
- Livros eletrônicos auto-publicados
- Iniciativas como o Projeto Guttemberg[6] e o SmashWords[7] surgem como alternativas ao mercado livreiro tradicional. Hoje é possível a qualquer um publicar seu próprio livro eletrônico em formato aberto e distribuí-lo através de sítios na Internet.
- Livrarias eletrônicas como o SmashWords, tornam a vida do autor um pouco mais fácil e a do leitor mais ainda, pois distribuem conteúdo que as editoras tradicionais não acreditam valer o risco.
- Novos autores tem nestas editoras virtuais um local onde podem expor o seu talento, descobrindo os seus leitores de forma mais direta e aumentando o acervo cultural que hoje é represado pelo modelo econômico ao qual as editoras sujeitam os seus clientes.
- Se pelo modelo antigo, auto-publicar era uma aventura cara que resultava em pilhas de livros estocados em casa, hoje, com o livro eletrônico, novos autores tem uma chance de se tornarem conhecidos pela qualidade de suas obras.
- Definir para pensar
- Uma nova definição de livro se faz necessária em tempos de Internet. Definir o que seja um livro eletrônico, digital, eBook ou qualquer outro nome pelo qual se queira chamá-lo é necessário para permitir uma nova forma de pensar o mercado editorial.
- Há uma indústria por trás do que chamamos, hoje, de livro. Uma indústria que foi organizada em torno de um conceito físico e que faz de tudo para que esse mesmo conceito seja apenas transposto para o meio digital.
- O impacto da Internet na música já mostrou que não é possível fazer essa transposição. É preciso pensar o novo como novo e não como uma mera extensão do que já existe. Precisamos repensar o livro.
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[1] Resolução da UNESCO de 1964, p. 144.
http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001145/114581e.pdf
[3] 2010 Book and E-Book Sales Data for the United
States. John Soares.
http://productivewriters.com/2011/02/16/book-e-book-sales-data-united-states-2010/
[4] O mercado do livro digital no Brasil.
http://www.slideshare.net/carrenho/o-mercado-do-livro-digital-no-brasil
[5] EPUB. IDPF. http://idpf.org/epub