sábado, 24 de setembro de 2011

De Livros e eLivros

Li hoje um tweet da @saladeprensa, "retuitado" pelo @cssoares que me pôs a pensar sobre livros físicos e eletrônicos.
 
A UNESCO definiu, em 1964, um livro como sendo um impresso não periódico de 48 páginas ou mais, excluindo as capas, publicao no país e acessível ao público[1]. Esta definição foi acolhida no Brasil pela ABNT na NBR 6029 que o define como sendo uma “Publicação não periódica que contém acima de 49 páginas, excluídas as capas, e que é objeto de Número Internacional Normalizado para Livro (ISBN).”[2]
 
Em comum estas definições vêm de um tempo em que conteúdo e suporte eram inseparáveis. Nada mais lógico que definir o livro pelo que pode ser quantificado de forma indiscutível, o número de páginas. Ou seja, um livro é um produto físico.
 
Estas definições também refletem a forma como o mercado editorial era organizado, com clara distinção entre as funções de autor, editor, distribuidor e revendedor. Cada um representando um elo da cadeia de distribuição de um produto que chamamos de “livro”.
 
Mesmo no caso de autores que se auto-publicam, os elementos desta cadeia de distribuição se mantém. A diferença fica apenas a cargo de quem assume o risco financeiro da publicação. Em situações “normais”, a editora assume o risco adquirindo os direitos de publicação do autor distribuíndo o livro às livrarias que se encarregam de fazer a ponte final com o consumidor (no caso, nós leitores).
 
O modelo tradicional continua ativo. No mercado norte-americano, a venda de livros chegou a US$ 11,67 bilhões em 2010 com os livros eletrônicos atingindo vendas de US$ 49,5 milhões.[3] Apesar de relativamente pequeno, a venda de eBooks, os tais livros eletrônicos (ou digitais), cresceu 164,8 por cento de 2009 para 2010, demonstrando que os livros eletrônicos não são uma moda passageira e vão representar um peso cada vez maior no mercado editorial como um todo.
 
No Brasil, os dados são controversos, incertos e confusos mas há a certeza que o brasileiro lê pouco. Seja pelo preço dos livros, seja por deficiências na educação, o fato é que o mercado editorial brasileiro não chega nem aos pés do norte-americano.
 
Uma apresentação publicada pelo Carlo Carrenho[4], ilustra bem a nossa situação. Enquanto é possível encontrar milhares de títulos originais em inglês na Amazon, no Brasil, em 2010, havia apenas 5.000 (cinco mil) títulos com uma grande sopreposição entre os catálogos dos fornecedores.
 
Estes mesmos estudo mostram que o modelo tradicional de manter conteúdo e suporte unos, persiste. As vendas de livros eletrônicos estão fortemente vinculadas a uma família de novas máquinas de leitura, os e-Readers sendo o Kindle, da Amazon e o Nook da Barnes & Noble os mais representativos lá fora. Há também outros leitores como o Cooler e o iRiver além do Alfa, produzido pela Positivo aqui no Brasil. Todos estes leitores trazem consigo o mesmo conceito de aprisionamento do conteúdo ao suporte. O Nook não exibe livros vendidos pela Amazon e o contrário também é verdadeiro para o Kindle que não exibe os livros vendidos pela Barnes & Noble. Os demais utilizam a tecnologia do Adobe Digital Editions para garantir a vinculação do conteúdo ao formato exigido pelas editoras.
 
Todos estes leitores também conseguem ler um padrão aberto, o ePub, mantido pela IDPF[5] mas nem todas as editoras fazem questão de publicar seus livros neste formato.
 
O mercado editorial faz um esforço gigantesco para transpor o modelo “tradicional” para o novo mundo eletrônico, destacando as vantagens deste ou daquele equipamento de leitura para atender aos seus interesses. Não há números mas ao ver o destaque do Kindle e do Nook nas páginas das empresas que os vendem, nota-se que é mais importante vender o equipamento. Os livros vem como consequência. Um comportamento muito parecido com o mercado de jogos eletrônicos.
 
Desde o início das discussões sobre a utilização de padrões abertos para documentos eletrônicos ficou claro que não é mais ético vincular o conteúdo ao seu suporte. Empresas de software continuam a tentar provar o contrário, agindo da mesma forma que Amazon e Barnes & Noble na promoção dos seus eReaders. Os produtos é que são promovidos como desejáveis e não o conteúdo para o qual foram projetados para exibir.
 
E no Brasil?
 
Não tenho dados, apenas uma coleção de experiências pessoais ao tentar comprar livros eletrônicos da Livraria Cultura e da Saraiva. Nos dois casos, desisti. O pequeno número de títulos originais em Português desestimula. Se for para comprar literatura estrangeira, compro o original na Amazon e leio no meu Kindle para Android por um preço muito menor. Segundo, pela Cultura usar o Adobe Digital Editions, ferramenta que não funciona no Linux. Sem essa ferramenta, não posso baixar e “instalar” os livros da Cultura no meu dispositivo de leitura. No caso da Saraiva, há um software para Android que cheguei a instalar mas pequena quantidade de títulos originais me desestimulou. Continuo comprando livros eletrônicos na Amazon.
 
Mesmo assim, vejo uma luz no fim do túnel.
 
Livros eletrônicos auto-publicados
 
Iniciativas como o Projeto Guttemberg[6] e o SmashWords[7] surgem como alternativas ao mercado livreiro tradicional. Hoje é possível a qualquer um publicar seu próprio livro eletrônico em formato aberto e distribuí-lo através de sítios na Internet.
 
Livrarias eletrônicas como o SmashWords, tornam a vida do autor um pouco mais fácil e a do leitor mais ainda, pois distribuem conteúdo que as editoras tradicionais não acreditam valer o risco.
 
Novos autores tem nestas editoras virtuais um local onde podem expor o seu talento, descobrindo os seus leitores de forma mais direta e aumentando o acervo cultural que hoje é represado pelo modelo econômico ao qual as editoras sujeitam os seus clientes.
 
Se pelo modelo antigo, auto-publicar era uma aventura cara que resultava em pilhas de livros estocados em casa, hoje, com o livro eletrônico, novos autores tem uma chance de se tornarem conhecidos pela qualidade de suas obras.
 
Definir para pensar
 
Uma nova definição de livro se faz necessária em tempos de Internet. Definir o que seja um livro eletrônico, digital, eBook ou qualquer outro nome pelo qual se queira chamá-lo é necessário para permitir uma nova forma de pensar o mercado editorial.
 
Há uma indústria por trás do que chamamos, hoje, de livro. Uma indústria que foi organizada em torno de um conceito físico e que faz de tudo para que esse mesmo conceito seja apenas transposto para o meio digital.
 
O impacto da Internet na música já mostrou que não é possível fazer essa transposição. É preciso pensar o novo como novo e não como uma mera extensão do que já existe. Precisamos repensar o livro.

[1] Resolução da UNESCO de 1964, p. 144. http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001145/114581e.pdf
[3] 2010 Book and E-Book Sales Data for the United States. John Soares. http://productivewriters.com/2011/02/16/book-e-book-sales-data-united-states-2010/
[5] EPUB. IDPF. http://idpf.org/epub

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Produtos e Padrões


Novamente começam a circular pseudoinformações cujo único objetivo é o de confundir produtos com padrões. Em busca da defesa de um mercado de bilhões (com B mesmo) de dólares, certas empresas voltaram a atacar com um discurso que, para quem acompanhou as discussões à época da padronização do ODF e do OpenXML, beira o ridículo.

Falam de recursos de produtos como se fossem parte dos padrões de representação de arquivos de documento como se estes recursos fossem parte do próprio padrão. Falam de como um padrão é superior a outro porque é melhor implementado em um produto específico. Falam de como um padrão é superior porque implementa melhores recursos de segurança e estruturas de representação.

De forma conveniente, deixam de fora da discussão o fato que padrões de documentos foram criados para permitir desvincular o arquivo do produto que o gerou. O fato deste ou daquele padrão ser suportado por um ou outro produto não é o ponto relevante. Não é a fatia do mercado que estabelece a superioridade de um padrão. No final das contas, o objetivo de um padrão como o ODF não é ser “melhor” que outro. O objetivo do ODF é garantir que documentos produzidos hoje não sofram a sina do Carta Certa ou do Word para DOS. O primeiro não conta mais com produto que o abra enquanto o segundo precisa de um filtro adicional instalado na versão corrente de forma opcional para fazê-lo.

Ao confundir recursos de produtos com o padrão de geração do arquivo, cria-se um desvio na discussão que leva a conclusões erradas: preciso desta função, logo não posso usar o ODF. Há aqui uma inversão do raciocínio que parte da falsa premissa que um padrão não evolui. Que um padrão, uma vez estabelecido, fica engessado, condenando os seus usuários ao “atraso” e à perda de acesso a “inovações”.
Nos próximos dias o ODF 1.2 deve ser aprovado na OASIS. Em seguida, será enviado para a ISO para votação e, se tudo correr conforme o processo normal da ISO, deve ser aceito como ISO 26300:2011. É importante notar que não se trata de um novo padrão ISO mas de uma revisão a um padrão existente. Assim como outros padrões publicados pela ISO e mantidos por organismos de padronização reconhecidos, o padrão ISO 26300 também evolui e será atualizado em breve.

A fumaça lançada ao vento neste momento mostra que há empresas preocupadas com o impacto que uma atualização ao ODF causará aos seus mercados. O ODF evolui e incorpora necessidades de representação de informações das quais as pessoas precisam. O discurso de funcionalidade de produtos, baseado apenas no marketing e na presença de mercado, se fragiliza com a demonstração clara que padrões evoluem e são atualizados de acordo com necessidades reais.

Os sinais de fumaça já estão indicando que o processo na ISO para a homologação do ODF 1.2 não será tranquilo.