Algumas
revoluções são silenciosas.
No início,
tudo era muito mais simples. Conhecíamos quase todos da nossa pequena vila.
Dinheiro só era necessário no fim do mês quando era preciso pagar a conta
anotada na caderneta do dono do mercado. A vila cresceu, ganhou bairros. Apesar
disso, dentro do nosso próprio bairro, seguíamos tocando a vida como sempre. Os
problemas começavam quando precisávamos fazer alguma coisa em outro bairro:
como o dono do, agora, supermercado
não conhecia o cliente, passou a ser necessário fazer um cadastro. Para fazer o
tal cadastro, eram necessários documentos, comprovantes, coisas emitidas por
terceiros (que não conhecemos) que atestavam que nós eramos nós mesmos.
Tornou-se necessário apresentar uma conta de água ou energia para provar que realmente morávamos onde
diziamos. Passou a ser necessário andar com algum documento de identificação
com foto no bolso para que pudessemos provar
quem realmente somos. Hoje recorremos a cartórios para atestar que fomos nós
mesmos que assinamos documentos.
Perdemos a
capacidade de confiar.
A cada
passo desse caminho rumo à perda de confiança, criamos novas estruturas confiáveis para garantir que os negócios
que realizamos fossem minimamente garantidos. E todas essas estruturas vieram
com custos associados. Cartórios, Câmaras de Compensação, Contas de Garantia,
Seguros, todos mecanismos criados para compensar a falta de confiança inerente
ao negociar com desconhecidos.
Tudo piorou
quando a Internet tomou a proporção que tomou nas nossas vidas. Temos acesso a
qualquer tipo de informação, de qualquer pessoa, de qualquer lugar, em qualquer
língua (com auxílio do Google Translate). Se nossa desconfiança já era alta,
veio a atingir níveis antes inimagináveis neste novo ambiente.
E voltamos
a criar estruturas confiáveis: Certificados Digitais, Redes de Mensageria,
Assinaturas Digitais. São apenas alguns, dentre os muitos, mecanismos criados
para dar confiança às transações que fazemos diariamente. E tudo isso com seus
custos associados.
O atual
deslumbramento da indústria financeira com o Blockchain decorre exatamente de
um aparente paradoxo frente ao mundo digital em que vivemos hoje: em um
ambiente altamente distribuído, com centenas (ou até milhares) de participantes
(todos, a rigor, desconhecidos uns dos outros), tornou-se possível fazer
negócio com qualquer um sem ter que recorrer a um terceiro confiável para garantir a confiança na realização e
conclusão do negócio. A transferência de cada Bitcoin, ou fração dele, feita
entre duas pessoas é registrada em uma blockchain e garante que esta
transferência ocorreu. Não é necessário autenticar cópia de nada, não é preciso
reconhecer firma, é inimaginável ter que depositar o registro da transferência
em um cartório. A transferência ocorre, o registro é anotado na blockchain e um
consenso de maioria atesta que a transação foi válida e a registra em
definitivo.
Não é
necessário ter um terceiro de confiança. A confiança está na rede.
Um mero
detalhe, mas um detalhe de tão grande alcance que ainda estamos começando a
entender as suas consequências. O mercado financeiro, em grande parte devido ao
sucesso do Bitcoin, já intuiu a economia resultante da comoditização da
confiança. O Banco Santander já estimou uma economia nos custos de infraestrutura
dos bancos da ordem de 20 bilhões de Dólares ao ano já em 2022 (https://goo.gl/QHWN7Y).
O impacto
da tecnologia Blockchain será sentido em toda atividade que depende de confiança
para ser realizada.
Dito dessa
forma, não parece muito.
Algumas
revoluções são silenciosas.