sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Revoluções Silenciosas

Algumas revoluções são silenciosas.
No início, tudo era muito mais simples. Conhecíamos quase todos da nossa pequena vila. Dinheiro só era necessário no fim do mês quando era preciso pagar a conta anotada na caderneta do dono do mercado. A vila cresceu, ganhou bairros. Apesar disso, dentro do nosso próprio bairro, seguíamos tocando a vida como sempre. Os problemas começavam quando precisávamos fazer alguma coisa em outro bairro: como o dono do, agora, supermercado não conhecia o cliente, passou a ser necessário fazer um cadastro. Para fazer o tal cadastro, eram necessários documentos, comprovantes, coisas emitidas por terceiros (que não conhecemos) que atestavam que nós eramos nós mesmos. Tornou-se necessário apresentar uma conta de água ou energia para provar que realmente morávamos onde diziamos. Passou a ser necessário andar com algum documento de identificação com foto no bolso para que pudessemos provar quem realmente somos. Hoje recorremos a cartórios para atestar que fomos nós mesmos que assinamos documentos.
Perdemos a capacidade de confiar.
A cada passo desse caminho rumo à perda de confiança, criamos novas estruturas confiáveis para garantir que os negócios que realizamos fossem minimamente garantidos. E todas essas estruturas vieram com custos associados. Cartórios, Câmaras de Compensação, Contas de Garantia, Seguros, todos mecanismos criados para compensar a falta de confiança inerente ao negociar com desconhecidos.
Tudo piorou quando a Internet tomou a proporção que tomou nas nossas vidas. Temos acesso a qualquer tipo de informação, de qualquer pessoa, de qualquer lugar, em qualquer língua (com auxílio do Google Translate). Se nossa desconfiança já era alta, veio a atingir níveis antes inimagináveis neste novo ambiente.
E voltamos a criar estruturas confiáveis: Certificados Digitais, Redes de Mensageria, Assinaturas Digitais. São apenas alguns, dentre os muitos, mecanismos criados para dar confiança às transações que fazemos diariamente. E tudo isso com seus custos associados.
O atual deslumbramento da indústria financeira com o Blockchain decorre exatamente de um aparente paradoxo frente ao mundo digital em que vivemos hoje: em um ambiente altamente distribuído, com centenas (ou até milhares) de participantes (todos, a rigor, desconhecidos uns dos outros), tornou-se possível fazer negócio com qualquer um sem ter que recorrer a um terceiro confiável para garantir a confiança na realização e conclusão do negócio. A transferência de cada Bitcoin, ou fração dele, feita entre duas pessoas é registrada em uma blockchain e garante que esta transferência ocorreu. Não é necessário autenticar cópia de nada, não é preciso reconhecer firma, é inimaginável ter que depositar o registro da transferência em um cartório. A transferência ocorre, o registro é anotado na blockchain e um consenso de maioria atesta que a transação foi válida e a registra em definitivo.
Não é necessário ter um terceiro de confiança. A confiança está na rede.
Um mero detalhe, mas um detalhe de tão grande alcance que ainda estamos começando a entender as suas consequências. O mercado financeiro, em grande parte devido ao sucesso do Bitcoin, já intuiu a economia resultante da comoditização da confiança. O Banco Santander já estimou uma economia nos custos de infraestrutura dos bancos da ordem de 20 bilhões de Dólares ao ano já em 2022 (https://goo.gl/QHWN7Y).
O impacto da tecnologia Blockchain será sentido em toda atividade que depende de confiança para ser realizada.
Dito dessa forma, não parece muito.

Algumas revoluções são silenciosas.