Já houve um
tempo, quando o mundo era menor, onde todas as nossas relações eram baseadas em confiança. Íamos à quitanda da esquina fazer as compras
da semana e pagávamos no final do mês. Todos sabiam onde todos na cidade
moravam. As mães mandavam os filhos ao mercadinho pegar aquele saco de açúcar que faltava sem a preocupação de ter dinheiro na mão para pagar no momento da compra.
O mundo cresceu. O que era normal para a cidade virou uma
curiosidade de bairro. O dono do mercadinho diversificou sua oferta e o número de fornecedores. A memória já não bastava e por isso a caderneta, que
já era usada para alguns casos, teve
que se profissionalizar. Já não bastava a confiança, passou a ser necessário registrar a conta. Por se tratar
das finanças do mercadinho, no começo só o dono
fazia o registro. Depois que até essa
tarefa foi delegada passamos a desconfiar que pudesse haver alguma coisa lá que não
chegamos mesmo a comprar.
Com o aumento da complexidade das relações, passou a ser necessário escolher alguém para resolver os conflitos.
Deixamos de confiar uns nos outros para depositar nossa confiança em terceiros que, de comum acordo
entre as partes, decidiam sempre que houvesse uma disputa. Cartórios, Registros, Burocracia, todos
recursos necessários para mediar os conflitos
decorrentes da falta de confiança.
Quando o assunto passou a envolver dinheiro, então, nossa desconfiança mútua
aumentou. E muito! E escolhemos confiar em instituições financeiras para cuidar, com segurança, do nosso dinheiro.
É claro que essas instituições variavam muito de lugar para
lugar, mas sempre com alguma autoridade, um terceiro de confiança, que garantia a transação. Nossa relação com dinheiro produziu algumas coisas curiosas que
decorrem da nossa necessidade de confiar. Seja uns nos outros, seja em um
terceiro que escolhemos para garantir nossas transações: produzimos bancos para mediar transações financeiras entre pessoas e
empresas, produzimos Bancos Centrais para garantir e controlar as transações entre os Bancos, produzimos
organizações financeiras
internacionais para garantir as transações
entre os bancos de países
diferentes.
Passamos pelo gado, pelo sal, pelo papel moeda e ao controle
centralizado (mais um terceiro de confiança) da
sua emissão, e chegamos ao Bitcoin. Assunto
de interesse para todos. Sem dúvida o
nosso interesse por ganhos rápidos
tornou o Bitcoin o assunto da vez em uma quase todos os lugares. Quantos aqui
nunca tiveram que explicar o conceito do Bitcoin para alguém? Parece bom demais, não? Um dinheiro virtual que não é
emitido por nenhuma autoridade e que se valoriza assustadoramente! É de espantar mesmo.
O que nos esquecemos de falar, até porque não é tão
emocionante quanto falar da valorização
astronômica do Bitcoin, é que em 31 de outubro de 2008, no
mesmo White Paper que propôs a
criação de uma moeda eletrônica peer-to-peer, Satoshi Nakamoto,
estabeleceu o uso de um banco de dados altamente distribuído, e imutável para ser o registro de todas as transações feitas em Bitcoins.
E esse banco de dados é o que
chamamos hoje de Blockchain. Basicamente, o Blockchain é uma grande Ata onde só é possível
acrescentar linhas que, uma vez incluídas, não podem ser alteradas. No caso do
Bitcoin, essa imutabilidade é
garantida por alguns mecanismos de consenso onde todos os participantes da rede
têm uma cópia da
Ata e só através do consenso da maioria deles é que poderão ser
incluídas novas linhas.
É um salto de fé que temos extrema dificuldade em
fazer. Passamos tantas gerações
desconfiando uns dos outros que quando isso não é mais necessário, não
acreditamos na mera possibilidade de podermos confiar em alguém que não
conhecemos.
E é nesse
ponto, quando removemos a desconfiança do
relacionamento, é que a inovação pode realmente começar a ocorrer.
O primeiro e mais visível
impacto é a redução dos custos das transações. Ao diluir a necessidade de
confiança pela rede, todos os custos
com o registro e liquidação de
transações caem de forma sensível abrindo um novo leque de
possibilidades para micro pagamentos, por exemplo, atingindo uma parcela da
população que não tem alternativa ao uso do dinheiro
em espécie por não ter acesso a um sistema bancário caro (em boa parte devido à necessidade de todos os mecanismos
de controle da confiança que
existem hoje).
Já para
as instituições, a redução de custos com registro, liquidação e compliance é o que mais impressiona. Um estudo da
Accenture, confirmando números
anteriores da Deloitte, indica que se os oito maiores bancos de investimentos
adotassem a tecnologia, a economia direta giraria entre 8 e 12 bilhões de dólares
anualmente com uma redução do
seu custo operacional do seu back-office na ordem de 30% (https://www.accenture.com/us-en/insight-banking-on-blockchain).
Mas não se
trata só de economizar.
Com a redução dos
custos de operação, toda uma nova janela de
oportunidade se abre e já vem
sendo explorada pelas Fintechs e Startups que surgem a cada momento. Empresas ágeis, com um notebook na mão e uma ideia na cabeça e acesso barato a recursos
computacionais em nuvem.
Vivemos hoje um momento único.
Uma nova geração de empreendedores com
acesso a um volume de recursos cada vez mais abundante e barato, capaz de
pensar novas ideias e “concretizá-las” em
software. Com a incorporação do
Blockchain ao dia-a-dia destas empresas, imagino que voltaremos a poder nos
surpreender com a criatividade e inventividade de uma nova geração de empreendedores que ainda tem
muito a explorar e oferecer.
Mais que um banco de dados, o Blockchain trouxe a real
possibilidade de implementarmos uma rede de distribuição de valor uma forma de transacionar, de forma segura e
principalmente confiável,
com qualquer um de nossa nova vila global.