terça-feira, 22 de abril de 2008

Esperar o anunciado

Contra fatos não há argumentos, já diz a sabedoria coletiva. O que acho cômico são reações de surpresa a notícias como a que o Office 2007 falha em teste de conformidade com o OOXML. Será que alguém realmente se surpreendeu com isso? Não bastaram os avisos e declarações de pessoas como o Don Mahoug sobre o tamanho do mercado que a Microsoft estava defendendo? Pelo jeito não foi suficiente sermos alertados pelo Brian Jones para o fato que
"é dificil para a Microsoft se comprometer com que for produzido pela Ecma nos anos que virão, porque não sabemos qual a direção que os formatos tomarão. É claro que nos manteremos ativos e proporemos mudanças baseadas no que queremos para o Office 14."
A única novidade foi no tempo. Não foi no Office 14. Foi agora, com o próprio Office 2007, aquele produto que deveria ser a implementação de referência do OOXML. Incompetência, falta de coordenação entre as ações da empresa ou simplesmente descaso com o formato "aprovado" pela ISO, o fato (contra o qual não há argumentos) é que a empresa que gastou tanto dinheiro, esforço e imagem na defesa de um "padrão" não o implementa corretamente no próprio produto que deveria ser a referência.

E o que acontece agora? O padrão foi aprovado, o produto de referência existe mas não atende. E agora?

Agora, é esperar, nas palavras do próprio Alex Brown:
"Given Microsoft's proven ability to tinker with the Office XML file format between service packs, I am hoping that MS Office will shortly be brought into line with the 29500 specification, and will stay that way. Indeed, a strong motivation for approving 29500 as an ISO/IEC standard was to discourage Microsoft from this kind of file format rug-pulling stunt in future."
Ou seja, só resta a esperança, vaga e vazia, que a Microsoft resolva aderir ao OOXML.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

FIQ

Todo mundo tem uma FAQ, aquela lista de perguntas freqüentes (Frequently Asked Questions na antiga língua bretã). A ISO apresentou a sua para o processo de aprovação do OOXML que me lembra um outro tipo de lista, a de perguntas frequentemente ignoradas (Fequently Ignored Questions).

Montar uma FAQ é fácil quando não é necessário publicar a lista das perguntas recebidas sobre um determinado tema. Quem publica a lista decide quais as perguntas mais freqüentes e as responde da forma que achar mais conveniente.

Em listas técnicas ou fóruns de suporte, a FAQ geralmente representa as dificuldades mais freqüentes encontradas pelos usuários desta ou daquela solução. Mas como deve ser a lista de perguntas feitas à ISO com relação à aprovação do OOXML? Acho que nunca saberemos realmente tudo o que foi perguntado. Mas uma lida rápida na FAQ da ISO revela algumas pérolas que podem esclarecer como o processo funciona.

A primeira resposta explica como realmente funciona o processo de Fast Track. A ISO não decide, quem decide são os membros P da ISO e as organizações "A" como a ECMA. Ou seja, se você tem uma especificação e maioria em uma organização como a ECMA, ela pode ser apresentada pelo processo de Fast Track. A ISO considera que os membros P e as organizações com este direito já devem ter feito o dever de casa antes de pedir o início do processo.

Outra resposta interessante reflete a posição da ISO sobre padrões sobrepostos. Essa eu tenho que citar diretamente:

The ICT industry has a long history of developing multiple standards providing similar functionalities. After a period of co-existence, it is basically the market that decides which survives.

Ou seja, a ISO apenas chancela os padrões, o mercado que se vire.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O Próximo Passo

Para aqueles que ainda acreditam em Papai Noel só porque o Coelhinho da Páscoa contou...

Com a santificação do MOOXML pela ISO, começam a aparecer os consultores "independentes" preocupados com questões "mais importantes" começam a dar sinais dos próximos passos na novela do MOOXML.

Agora é o sr. Jan van den Beld, coincidentemente ex secretário geral da ECMA, que não só defende o processo de fast track como realizado como aconselha governos nacionais a não definirem um padrão para documentos pois isso poderia ferir regras da Organização Mundial do Comércio e expor estes países a ações legais.

As declarações deste consultor podem ser lidas em http://www.lowyat.net/v2/latest/the-openxml-standardisation-update.html

Mas o que isso quer dizer? Porque usar consultores para mandar recados?

Por que agora que o MOOXML é um padrão ISO e a Organização Mundial do Comércio possui políticas que impedem o uso de padrões como barreiras não tarifárias ao livre comércio.

Isso é mais um indicador que uma certa companhia não irá trabalhar para suportar o ODF em seus produtos, por mais que seus clientes peçam. Não é mais necessário. Depois de subverter o processo da ISO, o próximo passo é cooptar a OMC e alguns governos para fazer o seu trabalho sujo...

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Parabéns

Acho que é só o que tenho a dizer: parabéns.

Parabéns a todos que ajudaram a seqüestrar o processo da ISO. Parabéns por mostrar como é possível manipular e dirigir um processo através da mão pesada do poder econômico. Parabéns por terem reconhecido que os interesses de uma empresa se sobrepõe aos direitos dos indivíduos de seus países. Parabéns por se dobrarem. Parabéns por assumirem abertamente a defesa de interesses que não são os dos seus países. Parabéns.

Parabéns também àqueles que mantiveram a sua integridade. Parabéns por terem tido a coragem e a retidão de manterem-se aliados a seus princípios. Parabéns pelo trabalho duro de ler e analisar milhares de páginas de documentos destinados a ofuscar a verdade, encontrando e apontando problemas que foram simplesmente ignorados pela maioria dos interessados.

Só não posso dar os parabéns à própria ISO, a única a perder com a forma como tudo foi conduzido. Talvez ainda seja possível à organização recuperar um pouco de dignidade. Mas isso vai levar muito tempo.

2 de abril de 2008 é uma data que vai para a história da ISO. Pena que por motivos não muito nobres.

quinta-feira, 20 de março de 2008

A Mulher de Cesar

A mulher de César deve estar acima de suspeitas
(Gaius Julius Caesar)


É triste ver como uma organização como a ISO se prestou a ser palco de uma das tentativas de cooptação de processos mais deslavada da qual tenho notícia. Digo tentativa pois o voto final não foi dado e ainda é possível à ISO e aos órgãos nacionais que participam do JTC1 fazer a coisa certa. Mas a cada nova notícia que leio, minha esperança na lisura do processo diminui.

Depois de aceitar em "fast track" uma especificação de mais de seis mil páginas, gerada às pressas por uma empresa interessada apenas em preservar um mercado cativo de mais de 10 bilhões de Dólares por ano, onde foram apontados mais de 3.500 defeitos, a vetusta organização produz uma farsa onde, sob estrita omertà, e sem resolver nada, dá prosseguimento ao processo de transformação do MOOXML em um padrão ISO.

O capítulo mais recente dese teatro do absurdo apareceu hoje no Groklaw, avisando da mudança do procedimento para alteração de voto. Como em todas as ações da ISO até agora, o procedimento publicado dá margem a interpretações e pode, inclusive, dar margem para desconsiderar alterações de votos. Não se surpreendam se organizações nacionais que alterarem seus votos para "não", tenham alguma dificuldade em ter as suas decisões validadas pelo novo procedimento.

Seja qual for o resultado, não haverá vencedores. Mas já temos um perdedor. A partir do MOOXML, a ISO terá que se esforçar para justificar a sua razão de ser.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Essencial e Incidental

Temos todos uma mania crônica: tratar o incidental como se fosse o essencial. Quando temos febre, tomamos um antitérmico sem nos preocuparmos com o que a está causando. Nos preocupamos com o saldo da nossa conta corrente sem pensar nos gastos que nos levam ao cheque especial. Reclamamos do consumo do carro sem pensar nos nossos próprios vícios ao volante.

Ao confundir o incidental, que não existe por conta própria, com o essencial de qualquer situação, deixamos de discutir o que realmente interessa. Gastamos horas discutindo sobre um conjunto de situações que podem ser resolvidas apenas com a correção da essência do problema. Passamos meses discutindo se o mosquito da dengue era municipal, estadual ou federal, sem mover uma palha para resolver a essência do problema: educação e saneamento. Agora temos a febre amarela batendo à nossa porta e, com ela, novas discussões intermináveis sobre o incidental. A essência do problema continua: continuamos com deficiências graves em educação e saneamento.

A publicidade gerada pela “guerra dos padrões” na ISO é só mais um reflexo desta nossa mania. Páginas e páginas foram gastas tratando da guerra entre o Office e o OpenOffice.org, entre IBM, Sun e Google, de um lado, e Microsoft, do outro. Essa mania de discutir o incidental transformou uma discussão sobre padrões, sobre modelos estabelecidos e abertos para a troca de informações, em uma batalha por um mercado que rende US$ 11.000.000.000,00 (isso mesmo onze bilhões de dólares) por ano à Microsoft.

É preciso discutir o essencial. Precisamos de um modelo aberto e público para a troca de informações, fora do controle de uma companhia específica. Até porque companhias são incidentais neste processo. Microsoft, WordPerfect, WordStar, Carta Certa e tantas outras foram meros incidentes na essência do problema: a falta de um padrão público e aberto para a troca de informações.

Discutir o incidental neste momento apenas torna o problema, em sua essência, cada vez mais grave e de difícil resolução. A geração de documentos eletrônicos não para. A cada dia mais e mais documentos públicos são gerados em formatos fechados tornando a organização e recuperação de informações um sonho cada vez mais distante.

A cada nova rodada de discussões evita-se o essencial. Publica-se o incidental como se fosse verdade absoluta. Patina-se na resolução do problema.

É preciso parar de discutir a febre e sanear as comunidades.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Cultura: Preservação e renascimento

Gálico é uma daquelas línguas sobre as quais só sabemos notícias quando vemos algumas placas de trânsito no norte da Escócia. Segundo a Wikipedia, a língua é falada pelos nativos do norte das ilhas britânicas há mais de 1.500 anos. O seu uso, no entanto, começou a declinar ao longo do tempo chegando a ser proibida em 1616 quando um ato do parlamento afirmava que o Gálico deveria ser abolido e removido da Escócia. Com a inclusão da Escócia como parte do Reino Unido em 1707 e a revolta de 1745, a língua foi praticamente banida, inclusive com a persiguição e exílio das populações vindas das regiões onde o Gálico era predominante. O Gálico passou a ser falado apenas nos pontos mais afastados, onde a autoridade instituida não chegava, tornando-se praticamente um dialeto, uma curiosidade local.

Corte rápido de 260 anos.

Em 2005 o Parlamento Escocês aprovou uma lei, o Gaelic Language Act, que reinstituiu o Gálico como língua oficial da Escócia e estabeleceu um plano nacional para o ensino da língua. Em paralelo, surgiu o projeto Gálico do OpenOffice.org.

Com pouco mais de 50.000 falantes em 2005, o Gálico não era (e ainda não é) considerado um mercado atrativo para o desenvolvimento tradicional de software. Qual a empresa que, devendo explicações aos seus acionistas, "gasta" milhares ou talvez milhões de dólares no desenvolvimento de um conjunto de aplicativos para "apenas" 50.000 pessoas?

Com o apoio do LT Scotland, um órgão governamental destinado a prover recursos tecnológicos para escolas, o projeto realizou a localização do OpenOffice.org para Gálico, tornando-se o software de escolha para escolas, serviços públicos e a população em geral.

Como o OpenOffice.org foi o primeiro software desenvolvido em Gálico, o próprio projeto resultou em uma evolução acelerada da língua. Depois de 260 anos, novos termos tiveram que ser cunhados para o uso no novo ambiente.

Com ferramentas e um renovado interesse na língua, novos projetos surgiram. E não apenas em software. Em 2006, Chris Young, um jovem cineasta escocês, lançou o filme "Seachd — The Inaccessible Pinnacle" totalmente rodado em Gálico. Um verdadeiro renascimento literário e musical surgiu no país chegando à criação de um canal exclusivo em Gálico pela BBC em 2008.

Apesar de pequena, a população que fala Gálico vem aumentando e um novo sentimento de orgulho nacional e cultural que passa até por detalhes que consideramos "menores" como a adoção de placas de trânsito bilíngues.

Neste renascimento do Gálico em tempos de sociedade da informação, não teria sido possível sem o uso de ferramentas que permitissem aos falantes usar a tecnologia em sua própria língua.

Apesar de pequeno em números, o projeto Gálico do OpenOffice.org demonstrou, de forma clara e irrefutável, como o Software Livre pode contribuir para a preservação da cultura.