quarta-feira, 11 de abril de 2007

Padrões assustam

“Qualquer cor, desde que seja preto.”
Henry Ford

Esta célebre frase dita por Henry Ford é vista com humor por todos que a lêem. No entanto ela demonstra o motivo pelo qual as empresas, até hoje, têm medo de padrões abertos. Enquanto o fornecedor de tecnologia puder vender suas limitações como vantagem aos seus “usuários” tudo estará como sempre esteve desde o início da revolução industrial.

O modelo industrial vigente somente funciona quando há uma redução da variabilidade, do risco, resultante de uma decisão. Quanto menos modelos uma fábrica puder montar, maior a rentabilidade de cada um. E assim era até alguns anos atrás. Aos poucos alguns setores da indústria “tradicional” começaram a perceber a necessidade de aumentar as suas linhas de produtos. Estas empresas perceberam que o mundo onde existia um único perfil de consumidor havia acabado. Vejam só o exemplo do sabão em pó. Apesar de todos nós que lavamos roupas em casa termos exatamente a mesma necessidade, as fábricas de sabão produzem linhas diversas de produtos tentando manter uma clientela que quer, cada vez mais, individualizar-se na relação de consumo. Não é por outro motivo que certas empresas fabricam mais de quatro tipos de sabão em pó (da mesma marca, diga-se de passagem): um com perfume disso, outro com menos espuma, um terceiro com amaciante na fórmula e por aí afora.

O mesmo ocorreu com a indústria automotiva. Há 30 anos, o Brasil contava com três montadoras e, quem sabe, uns 20 modelos de veículos. Só faltava serem todos pintados de preto. Hoje, além da profusão de marcas, importadas e fabricadas aqui, temos certamente algumas centenas de modelos de veículos disponíveis no mercado. Dos mais simples aos mais luxuosos passando por todas as combinações possíveis de marca, acessórios e acabamento que podemos imaginar.

Tanto o sabão em pó quanto os automóveis tem uma coisa em comum: padrões. A quantidade de marcas de sabão em pó pode aumentar porque há um padrão, de fato, estabelecido pelos fabricantes de máquinas de lavar roupa. No caso dos automóveis, a proliferação só foi possível por conta da padronização de tamanhos, pneus, gasolina, lubrificante e tudo o mais que faz com que seja possível possuirmos um automóvel de qualquer marca sem a preocupação de saber se a gasolina do posto da esquina vai funcionar nele ou não.

Assim como estas duas indústrias, diversas outras tiveram que se adaptar para atender padrões. E em todos os casos quem lucrou fomos nós, os consumidores. Em todos os casos onde houve a implantação de padrões, a oferta de produtos aumentou gerando uma concorrência que beneficiou a nós, consumidores, e às empresas que puderam ser ágeis o suficiente para colocar produtos no mercado que nos atendessem.

– Pano rápido para a indústria de software...

A indústria de software se desenvolveu seguindo o modelo da indústria “tradicional” dentro deste modelo faz todo o sentido ter um conjunto de produtos do qual se possa extrair o máximo de lucros. Para isso tornou-se necessária a criação de mecanismos que permitissem às empresas exercer no mundo do conhecimento, mecanismos correntes no mundo “real”.

O mais conhecido destes mecanismos foi a criação da licença de uso que possibilitou a criação de uma escassez artificial controlada pelo fabricante do software que a todo custo procurava evitar a “comoditização” do seu produto. Um outro mecanismo é menos percebido mas muito mais eficiente e se dá através do aprisionamento do usuário através dos arquivos gerados pelos softwares.

Sem o controle do arquivo de saída, o fabricante de software se vê na mesma situação do fabricante de automóveis: ter que concorrer pelos méritos do seu produto. Com o controle, como ocorre hoje, o fabricante planeja a obsolescência dos seus produtos obrigando os usuários a comprar atualizações para poderem continuar a compartilhar seus arquivos com outros.

A utilização de padrões abertos quebra as formas de controle com que estas empresas vêm mantendo o mercado. Ao invés de terem uma clientela cativa, estas empresas terão que competir através de outros méritos. Acho interessante notar que se estas empresas confiam tanto na qualidade dos seus produtos, porque tanta resistência à adoção de padrões abertos? Porque propor os seus formatos fechados como novos padrões, redefinindo no correr do processo o que significa ser “aberto”?

Para manter o mercado continuamente cativo é necessário prender o usuário de alguma forma. Se o usuário não depende mais de um aplicativo específico para compartilhar um documento, como prendê-lo? Criando um novo padrão. E não apenas mais um padrão. Uma especificação tão complexa e extensa que somente um produto pode implementá-la.

Adotar o ODF nativamente no MS-Office não é tarefa difícil para uma empresa do tamanho da Microsoft. A resistência não é técnica. A resistência ao ODF é uma reação de medo. Medo de perder a única coisa que efetivamente prende o usuário ao produto: o arquivo de saída.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Às Favas com os Padrões

A Linux Magazine de Março traz uma entrevista muito interessante com o Roberto Prado, gerente de estratégias de mercado da Microsoft Brasil. É uma entrevista como qualquer outra que eu esperaria vir da Microsoft: "Atendemos ao mercado", reconhecendo o Linux como um concorente e por aí afora.

Um detalhe perdido no meio da entrevista, no entanto me chamou a atenção.

O resto desta história está aqui no meu outro Blog no BrOffice.org.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Inércia

Tem vezes que a gente se acomoda com determinadas situações apenas por inércia. Manter o Notas Livres no Terra foi uma delas.

Não me lembro bem quando mas a partir de um determinado momento meus redirecionamentos do Dyndns pararam de funcionar no Terra. Isso depois de meu site ter parado de funcionar pois o servidor do Terra resolveu de uma hora para outra não aceitar mais arquivos com nomes contendo sublinhados.

Enfim. Vim para cá. Novo site, novo serviço mas com as mesmas Notas livres.

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Estatísticas

A ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software encomendou à Ipsos Public Affairs uma pesquisa sobre o programa Computador para Todos com quatro perguntas e dois objetivos, segundo a própria pesquisa as perguntas foram:

1) O programa Computador para Todos está atingindo seu objetivo principal de aumentar a posse de computadores entre as pessoas da classe C? Isto é, são as pessoas desta classe que estão participando do programa?
2) A estratégia dupla do Programa de facilitar crédito pessoal e baratear o preço está correta? Isto é, porque as pessoas participam do programa? Por causa do preço barato e da facilidade de pagamento?
3) Houve troca do sistema operacional em software livre por um sistema operacional comercial depois da compra? Se sim, qual a proporção?
4) Onde e como o usuário adquiriu o novo sistema operacional? Quanto pagou por ele?

Quanto aos objetivos, ainda segundo a pesquisa:

As duas primeiras perguntas acima se referem aos objetivos do programa de inclusão digital Computador para Todos. Já as perguntas 3 e 4 acima referem-se às suas conseqüências não intencionais.

Apesar de interessante, apenas um ponto da pesquisa foi alardeado pela mídia e discutido: 73% dos compradores do Computador para Todos substituíram a base de software instalada pelo Windows. Depois de procurar um pouco, consegui baixar uma cópia da pesquisa e li as suas quinze páginas com bastante atenção.

Não pude deixar de me lembrar das palavras de meu pai: “Estatística é como poste de interior. É muito boa para se apoiar, mas ilumina muito pouco.” Senti essa sensação ao ler a pesquisa e os seus números.

Não discuto aqui a metodologia usada pela Ipsos. Até onde sei, trata-se de uma empresa multinacional respeitada no mercado. No entanto, a pesquisa encomendada pela ABES parte de uma premissa, a de que boa parte dos compradores do Computador para Todos substituíram o software instalado por versões piratas de produtos comerciais. Especificamente, o sistema operacional. E as perguntas feitas para confirmar a tese não buscaram esclarecer os motivos que levaram o comprador a fazer a troca.

Me parece que o único objetivo da pesquisa foi o de culpar o programa Computador para Todos pelo incentivo à pirataria de software. Como sempre, a culpa é do governo.

Apesar de apresentar um cenário preocupante, a pesquisa apresenta outros números que não foram alardeados e, nem sequer, comentados pela mídia. Talvez porque o relatório da pesquisa não tenha sido lido, talvez por terem publicado apenas press-releases, talvez por outros motivos. Não sei.

O que sei é que a pesquisa confirma o sucesso, embora parcial, do programa para a inclusão digital da, assim chamada, “Classe C”, que segundo a pesquisa representa 37% da população brasileira. Para 86% dos pesquisados, o computador adquirido pelo programa foi o primeiro computador da casa. Apenas este número já pode ser considerado um sucesso. Como disse, o sucesso ainda é parcial. Há um enorme contingente de pessoas que devem ser incluídas economicamente antes de podermos falar em inclusão digital.

Mas, a pesquisa fica realmente interessante quando lemos sobre as “conseqüências não intencionais” do programa. É nesta parte que o relatório mostra que 73% dos compradores substituíram o Software Livre instalado por um sistema operacional comercial.

Não houve preocupação em descobrir a motivação nem tampouco saber se os compradores também instalaram outros programas além do sistema operacional. A pesquisa foi dirigida apenas para o confronto Linux x Windows.

Ficando apenas neste cenário, a pesquisa revela, no entanto, alguns números interessantes que comprovam, mais uma vez, o sucesso do programa e das soluções de Software Livre.

Para 47% dos entrevistados, o Windows foi instalado a custo zero. Talvez este número seja maior pois 14% dizem não saber o quanto pagaram pelo Windows. Quando vemos que a instalação do Windows nas máquinas foi feito, em sua grande maioria, por amigos ou parentes (35%, segundo a pesquisa) vemos que, não é o programa Computador para Todos que é responsável pela pirataria mas sim, o próprio efeito de rede que ajuda na disseminação do Windows.

Na verdade, já foi demonstrado1 que a Microsoft se beneficia da pirataria[1]. A pirataria faz com que mais pessoas aprendam a trabalhar com os seus produtos, aumentando e potencializando o efeito de rede. Ou nas palavras do próprio Bill Gates em um momento de distração em 1998, sobre a pirataria de software na China:

"As long as they're going to steal it, we want them to steal ours," he said of Chinese users, according to Fortune magazine. "They'll get sort of addicted, and then we'll somehow figure out how to collect sometime in the next decade."[2 e 3]

Ao contrário do que indica a publicidade da ABES, a pesquisa não consegue demonstrar que o Computador para Todos tem como conseqüência a pirataria. Seriam necessários mais estudos, inclusive para determinar se as pessoas têm idéia do que seja pirataria e licenciamento de software. O que vemos é o efeito de rede em ação.

Dentro deste contexto, sabendo que o Windows ainda é usado por mais de 90% dos computadores pessoais no mundo, uma permanência de 23% dos computadores comprados pelo programa Computador para Todos em Software Livre é uma vitória.

Precisamos, no entanto, fazer este número crescer. Precisamos aumentar o efeito de rede das soluções de Software Livre. E isso não se faz apenas conscientizando o usuário. Segundo a pesquisa da Ipsos, 18% daqueles que informaram terem trocado o Linux pelo Windows, o fizeram através de técnicos da própria loja onde compraram os computadores. Além do efeito da rede, temos também que impedir que os próprios vendedores incentivem a pirataria. Eles, sim, têm noção dos preços dos produtos que vendem.

O programa Computador para Todos está longe de ser perfeito. Ainda há muito terreno a cobrir. No entanto, se confirmada a permanência de 23% dos usuários com soluções de Software Livre, já temos um dos maiores casos de sucesso de popularização do Software Livre no mundo.

Referências


[1] http://hbswk.hbs.edu/item/4834.html
[2] http://www.chinalawblog.com/chinalawblog/2006/05/chinese_softwar.html
[3] http://larryborsato.com/blog/2006/04/the_benefits_of_piracy.html

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sexta-feira, 5 de maio de 2006

Software Livre: Economia e Desenvolvimento

O setor de informática no Brasil é deficitário. Quando pensamos em balança de pagamentos, o setor, segundo dados da Softex, apresenta um déficit na balança comercial brasileira entre 5 e 7 bilhões de dólares. Deste valor, só o software é responsável por aproximadamente 1 bilhão.

O que querem dizer estes números? O que representam?

Em dez anos, enquanto o PIB brasileiro cresceu 25%, o mercado interno de bens e serviços de informática cresceu 600%. Quando confrontamos este crescimento com os valores exportados a títulos de royalties, vemos que o Brasil se tornou um ávido consumidor de informática. Infelizmente, não fomos capazes de também nos tornarmos um grande produtor neste setor.

As políticas para a informática no Brasil, aliadas às políticas de produção de conhecimento, sempre foram demasiadamente protecionistas ou liberais, sujeitando-se a modas e ideologias sem nunca se preocupar com a definição de um modelo sério e sustentável de desenvolvimento. O resultado de anos de políticas incorretas e vagas é representado pelo déficit do setor na nossa balança comercial. Não produzimos conhecimento, o importamos.

O modelo de produção de hardware atende a critérios econômicos consagrados e é regulado pelo próprio mercado. Já o software representa um modelo completamente novo de produção. Em um mercado equilibrado, a demanda e oferta de bens estabelece e regula preços incentivando a competição. Os limites de preço e lucratividade são estabelecidos pela escassez dos bens ofertados. O modelo atual de produção de software se baseia, incorretamente, nesta idéia.

Para que uma empresa produtora de software seja lucrativa neste contexto, é necessário que o software seja um bem escasso. Esta escassez permite que os produtores de software estabeleçam preços que remunerem os custos de produção além de estabelecer um prêmio pelo qual seus clientes estão dispostos a pagar para obter o software.

Ocorre que esta escassez é artificial. Para que exista, as empresas produtoras de software desenvolveram um modelo de comercialização onde regulam, de forma arbitrária, a oferta dos seus produtos, tornando-os artificialmente escassos e elevando os seus preços. O resultado? Um bilhão de dólares remetidos ao exterior anualmente na forma de royalties.

Este modelo foi subitamente ameaçado com a popularização do Software Livre. Subitamente, um novo modelo de desenvolvimento baseado na colaboração, inerente à produção do conhecimento.

A reação das indústrias “tradicionais” de software foi primeiro a de tentar diminuir o movimento tentando mostrá-lo como sendo um passatempo de adolescentes sem maior seriedade. À medida que as soluções desenvolvidas em Software Livre ganharam não apenas consistência mas confiabilidade, a indústria começou a se dividir. Parte da indústria aceitou o novo modelo e passou também a colaborar no desenvolvimento de softwares que hoje são estratégicos para grande parte da economia, tanto a real quando a virtual. Outra parte, no entanto, passou a atacar o próprio modelo, alegando que a adoção do Software Livre representaria o fim da indústria.

Em parte, não erraram. A adoção do Software Livre representa, sim, o fim de uma indústria criada a partir do uso de modelos econômicos que não se aplicam ao desenvolvimento de software. Modelos que, quando aplicados ao software, se mostraram frágeis ao ponto de serem questionados e demolidos por pequenos grupos de desenvolvedores espalhados pelo mundo.

Software é a corporificação de idéias e do conhecimento gerado pela humanidade. A importância da idéia já era reconhecida em 1813 por Thomas Jefferson que em uma carta a Isaac McPherson escreveu:

Se a natureza fez algo menos susceptível que qualquer outra de propriedade exclusiva, foi a ação do poder do pensamento chamada de idéia, que um indivíduo pode possuir exclusivamente enquanto a mantenha para si; mas a partir do momento que é divulgada, ela se força na posse de todos e o recebedor não pode se desfazer dela. É sua característica peculiar, também, que ninguém a possui menos por outro possuir o todo dela. Aquele que recebe de mim uma idéia, recebe também instrução, sem diminuir a minha; assim como aquele que acendendo sua lamparina na minha, recebe luz sem me escurecer. Que idéias devam se espalhar livremente de um para o outro ao redor do globo, para a instrução moral e mútua do homem e melhoramento da sua condição, parece ter sido particular e benevolentemente projetado pela natureza quando as criou, como o fogo, expansível por todo o espaço, sem diminuir sua densidade em nenhum ponto, e como o ar em que respiramos, nos movemos, e temos nossa presença física, incapaz de confinamento ou apropriação exclusiva...

O Software Livre é o elo mais recente de um processo de desenvolvimento cultural e ético. Idéias corporificadas em instruções que se tornaram parte integrante de nossas vidas. Hoje é inconcebível a vida sem software. Dependemos dele para as ações mais simples do nosso cotidiano. Esta dependência do software, e da informática como um todo, faz com que quem controle o suprimento de conhecimento, de idéias, controle a vida de outros.

A indústria de software precisa mudar. É necessária a democratização do conhecimento e o estabelecimento de condições para a livre troca de idéias. É nestas condições que teremos a chance de diminuir a distância entre consumo e produção de conhecimento. O Software Livre dá aos desenvolvedores nacionais, a oportunidade única de livre acesso ao conhecimento e às idéias de outros desenvolvedores.

Criar condições para que este acesso se mantenha é responsabilidade de todos, não apenas do Estado. É preciso criar condições para que pequenos prestadores de serviços espalhados por todo o nosso território tenham acesso ao conhecimento gerado. Através do livre acesso às idéias em código de programas é que o verdadeiro desenvolvimento econômico e social ocorrerá. Enquanto aceitarmos passivamente a imposição de um mercado artificial, controlado por umas poucas empresas, continuaremos a enviar bilhões de dólares em royalties.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Usuário Tolerante a Falhas

Essa ouvi hoje. Parece piada mas tem um fundo de verdade que precisamos considerar pois reflete muito bem os problemas enfrentados nas migrações para soluções em Software Livre.

Enquanto ficamos discutindo qualidade e disponibilidade de soluções, a Microsoft conseguiu, ao longo dos anos, criar um "usuário tolerante a falhas". O usuário tolerante a falhas foi criado para considerar as falhas dos produtos fornecidos por empresas como a própria Microsoft como quase sendo "fatos da natureza" contra os quais não adianta fazer nada.

No entanto, quando apresentamos soluções de Software Livre, o modo de operação deste usuário se inverte e qualquer problema, até mesmo um termo diferente em um menu, é visto como um problema e um atestado da ineficiência da solução.

Quando o Windows trava ou mostra a sua tela azul da morte, o usuário tolerante a falhas não discute. Desliga e liga de novo o seu computador e volta a trabalhar como se nada tivesse acontecido. Quando uma máquina Linux trava, no entanto, este mesmo usuário é o primeiro a dizer "Ah, é Software Livre", como se isso fosse um atestado de como o Windows é melhor.

Temos uma imensa responsabilidade nas mãos. Passamos tanto tempo batendo nos problemas dos fornecedores de software fechado que acabamos passando a idéia que o Software Livre é perfeito. E todos nós sabemos que não há software perfeito, isento de bugs. Temos passado tanto tempo discutindo vantagens técnicas do modelo que nos esquecemos que o real motivo para o uso do Software Livre não é meramente técnico. O principal motivo é justamente a Liberdade. Principalmente a liberdade de acesso à informação.

Um produto é tecnicamente melhor que outro hoje. Amanhã, o concorrente terá melhorado e o primeiro estará em desvantagem. Mas mesmo assim o Software Livre é o único que garante o que realmente interessa: Liberdade.

quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Máquinas de escrever

– Chefe! Estamos com um problema.

– O que foi?

– Ninguém consegue trabalhar depois que atualizamos as máquinas!

– Como é que é?

– Ninguém consegue...

– Isso eu ouvi! Mas como assim ninguém consegue trabalhar?

– Estão todos reclamando! Tem gente dizendo que não recebeu treinamento, que não foram avisados da atualização...

– Mas isso é o fim do mundo!

– Já avisaram que não vai dar para soltar o relatório do semestre no dia...

– Mas nem o relatório? Quem autorizou a atualização?

– Foi o senhor...

– Eu? Mas quando?

– Foi depois que o pessoal da área técnica disse que teríamos que fazer a atualização.

– Volta!

– Como é que é?

– Volta tudo! Tira as Remingtons do almoxarifado e devolve as Olivetti!

Bons tempos em que aprendiamos a datilografar. Quando mudávamos de emprego ou a empresa comprava novas máquinas, ninguém reclamava. Remington, Olivetti, IBM... todas conviviam no mesmo ambiente de trabalho sem que nenhum usuário de uma máquina reclamasse que não conseguia ler o que outro escrevia em outra máquina.

Aprendiamos a datilografar.

Hoje aprendemos Word. Aprendemos WordPerfect. Aprendemos WordStar. Hoje não aprendemos mais a escrever. Durante um certo tempo existiam cursos de digitação que rapidamente cairam no esquecimento pois com o computador em casa, qualquer um sabe como digitar. Ou sabe?

Em projetos de migração que participei, a reclamação mais frequente era: “Isso eu não sei usar!” Será? Será que uma pessoa inteligente, com capacidade de aprender não consegue olhar para um teclado, uma folha em branco e saber como escrever?

Caimos no golpe da solução pronta. Emburrecemos. Acreditamos na história que datilografia é coisa do passado. Compramos a idéia que precisamos aprender a usar os produtos que nos são empurrados convenientemente quando compramos um novo computador. Ficamos viciados em formatos de arquivos que obrigam a todos com quem nos relacionamos a comprarem os mesmos programas que usamos.

Fico pensando: Como posso obrigar meu pai, aposentado, a gastar R$ 800,00 numa cópia do Office para ler os textos que escrevo? Faço uma cópia pirata?

Quando vejo um edital de concurso público em que se exige conhecimento de Word, imagino a quantidade de candidatos que correm aos camelôs para comprar cópias “alternativas” ou aos amigos para copiá-lo pois mal tem dinheiro para pagar a taxa de inscrição do concurso.

Precisamos reaprender a datilografar.