quarta-feira, 13 de abril de 2011

Não interessa como foi a reunião

O importante é voltar para a sua mesa com a cabeça erguida!

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Hiperdecantação - Heresia ou Blasfêmia?

Heresia. s. f. Divergência em ponto de fé ou doutrina religiosa[1]
Blasfêmia. s. f. Dito ímpio ou insultante contra o que se considera como sagrado[1]
Hiperdecantação. s. f. Bater o vinho no liquidificador
Se é heresia ou blasfêmia, deixo o julgamento a cargo do leitor. O que vou relatar aqui é uma experiência prática com essa prática descrita no "Modernist Cuisine: The Art and Science of Cooking". A teoria faz sentido. Além de permitir a separação "educada" da borra, decantamos um vinho para permitir que a oxidação libere novos sabores e também os segredos escondidos nas moléculas aromáticas presas ao álcool.

Então, por que não acelerar o processo? Se um vinho precisa de alguns minutos a algumas horas (diz a lenda que em alguns recantos italianos até alguns dias) para que a mágica do oxigênio libere a riqueza oculta de uma garrafa de vinho, por que não incorporar o oxigênio de maneira mais vigorosa e rápida, eliminando a maior parte do tempo da equação da melhor bebida? Me parece ser esse o princípio por trás da tal hiperdecantação.

O Experimento

vítima amostra escolhida foi um Finca Sur Malbec 2009. Escolhi esse vinho específico por ser um vinho jovem demais, desconfortavelmente ácido (especialmente quando comparado ao excelente 2008 sobre o qual escrevi aqui) e também porque eu já o havia experimentado alguns dias antes. Desta forma, ficou fácil fazer uma comparação mais objetiva (se é que isso é possível).

Minha vítima amostra














Para verificar de forma mais objetiva qualquer mudança na amostra, selecionei dois queijos, um brie bem maduro e uma boa fatia de queijo de cabra.

Os acompanhamentos













O passo seguinte incomodou bastante. Lançar o conteúdo da garrafa no liquidificador já não foi fácil. Esperar os 60 segundos preconizados no tal livro de cozinha molecular então, uma eternidade.

É assim que se parece um Malbec no Liquidificador













Depois de eternos 60 segundos (um minuto inteiro!), desliguei o liquidificador e o conteúdo mais parecia um copo de chope de uva.
Motor desligado













Em menos de cinco segundos, a espuma se desfez
Com ou sem colarinho?












E sumiu completamente

Sem colarinho, por favor.













Achei que servir direto do copo do liquidificador era um pouco demais e passei o pobre Malbec a um decânter. Começou, então, a aventura de verdade.

Surpresas agradáveis

A primeira coisa que me chamou a atenção (na verdade foi quase um tapa na cara) foi o repentino realce no aroma de frutas. Não foi uma coisa sutil. Foi um golpe inesperado. O bouquet (chique, não?) mudou completamente. Frutas vermelhas saltavam da taça com uma vivacidade que ainda não havia encontrado neste vinho. Na boca, a surpresa foi tão surpreendente quanto o aroma. Não havia mais acidez. Depois de sessenta segundos no liquidificador, este jovem malbec havia sido completamente domado! De um jovem e áspero vinho parrillero este Finca Sur tornou-se um educado e suave companheiro de um brie devidamente fermentado, preferindo-o ao áspero e aromático pur chèvre que selecionei.

Como estava experimentando só, pude observar como o vinho mudava à medida que o tempo passava. Depois de 25 minutos no decânter, aromas mais pesados começaram a aparecer. Um aroma de queimado muito distinto se tornou presente mas não chegou a atrapalhar a degustação. A acidez deste vinho não voltou e, apesar de todo o agito, também não pareceu perder nada do álcool.

Conclusões

É difícil ser objetivo depois de uma garrafa inteira de vinho, mas mesmo assim vou tentar. (Minhas anotações, em garranchos progressivamente mais e mais ilegíveis, me suportam). Objetivamente, o vinho mudou. Não posso dizer se foi por efeito placebo ou não, mas que mudou, mudou. O que mais me impressionou é que o vinho mudou para melhor, para muito melhor. Tornou-se um vinho educado, suave pronto para acompanhar pratos mais delicados.

Não é um hábito que pretendo generalizar. Também não recomendo que se bata um Chateau Margaux. (Mesmo que você tenha ganhado sozinho uma loteria de alguns, muitos, milhões) em um Walita (use, pelo menos, um Kitchenaid). Só posso dizer que funcionou, e bem, para o Finca Sur Malbec 2009. Não posso afirmar, nem recomendo, que se faça isso com outros vinhos.

A aeração forçada de um vinho parece comprovar de forma exagerada o que sempre falamos sobre estes poemas engarrafados. Nas palavras de Georg Riedel, decantar um vinho é "um respeito pelos mais velhos e um sinal de confiança nos mais  jovens."

Acho que os "jovens" aguentam um passeio mais "radical". Os mais velhos, estes certamente merecem um respeito maior.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Raposa no Galinheiro

O post do Jomar sobre uma tendência preocupante no movimento de adoção de padrões me fez parar para pensar e refletir um pouco sobre o que anda acontecendo e porque temos tantos problemas e discussões quando começamos a falar de padrões.

Dependendo do ponto de vista, um padrão aberto serve para propósitos distintos. Para o cidadão, é a garantia que o acesso a informações públicas será possível hoje e no futuro. Para os Governos, é a definição de como ele se relaciona interna e externamente com entes públicos, privados e com os seus cidadãos. Para a indústria, é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que amplia o mercado, aumentando a competitividade e o volume de oportunidades, o estabelecimento de padrões abertos limita o controle de uma empresa sobre este mesmo mercado.

De certa forma, o uso de padrões abertos é benéfico para as pequenas empresas que podem concorrer em melhores condições com as grandes. Para as grandes, no entanto, a situação é bem diferente. Para uma empresa que controla mais de 90% do mercado de ferramentas de produtividade de escritório, o estabelecimento de um padrão aberto para documentos eletrônicos é visto como um ponto de erosão no seu monopólio. Uma grota que se não aterrada, pode levar a rachaduras cada vez maiores no seu negócio.

As motivações para a criação e manutenção de padrões são múltiplas e de interesse público. As restrições são poucas, mas de interesse íntimo das grandes corporações. E é aqui que, como se diz no interior, a porca torce o rabo.

Definir e manter padrões é caro. Quem já tentou participar do processo como pessoa física sabe dos custos: viagens, hotéis, telefone. E isso sem falar da dedicação de tempo para conseguir fazer um trabalho de qualidade. Mais que caro, trabalhar na definição e manutenção de padrões é penoso.

E é aqui que precisamos pensar na motivação para atuar nesta seara. Para pessoas físicas, o senso de dever cívico parece ser o maior motivador. Para os governos, a própria atividade de normatização das relações. Para a indústria... Para a indústria são duas as principais: abrir novos mercados e proteger os mercados conquistados.

Como a manutenção de padrões é cara e os governos estão em ritmo de redução de custos, a tendência observada pelo Jomar é verdadeira e preocupante. Muitas agências governamentais, no intuito de reduzir custos, estão começando a dizer que é função do mercado definir e manter padrões. Esta atitude, no entanto, pode custar mais no longo prazo. Deixar apenas as corporações com interesses econômicos específicos controlar o processo de definição e manutenção de padrões é deixar a raposa solta no galinheiro. Já vimos o que acontece nesta situação durante as discussões do ISO/IEC 29500.

Se mais governos começarem a delegar ao mercado a responsabilidade pela definição e manutenção de padrões abertos, teremos padrões publicados que atenderão a um conjunto cada vez mais reduzido de interesses em detrimento dos interesses da sociedade e do poder público.

Delegar a definição e manutenção de padrões abertos ao mercado é abrir mão da soberania em favor do interesse econômico privado. É uma volta ao mercado desregulado e selvagem que resultou na criação de monopólios que tiveram que ser, posteriormente regulados e desmontados a um custo econômico, político e social muito mais alto.

sábado, 2 de abril de 2011

Dois Cortes

Alcayata 2006
Malbec e Syrah

Capucho 2001
Cabernet Sauvignon

Tive o desprazer de me ver incluir no ritual de abertura do vinho a remoção do selo do IPI. Esta excrecência tributária, resultado do lobby da indústria nacional de vinhos que parece ter desistido de concorrer na qualidade com os estrangeiros e resolveu apelar para a burocracia estatal.

Para mim, a exigência do selo está ali do lado da numeração de livros: inútil, cara e não agrega nada para ninguém.

Mas chega de falar de coisas chatas. Vamos aos cortes!

O primeiro corte é argentino. Um corte de Malbec com Syrah que produziu um vinho rico, sedoso, de um violeta profundo com uma forte presença da Syrah no aroma sem, no entanto, perder a personalidade e a força da Malbec.

Como um tango tradicional, o Alcayata é uma forte mistura de paixões. Um vinho robusto que pede companhia: uma boa parrilla na companhia de alguns bons amigos.

Com 14° de álcool, não é um vinho para se tomar sozinho.

O segundo corte não é um corte de uvas mas, sim, um corte em tradições. O Capucho do Casal Branco é um vinho português feito com uvas Cabernet Sauvignon.

Esta mistura luso-francesa resultou em um vinho saboroso, com um equilíbrio surpreendente de taninos que o torna seco e adstringente sem que isso prejudique o sabor.

Com dez anos de garrafa, o Capucho se mostrou sóbrio sem ser pedante; com um aroma ainda presente de frutas, indicando que ainda pode resistir e evoluir por mais tempo em adega, mesmo já estando pronto para beber hoje.

Apesar de permitir ser consumido sozinho, é um vinho que aprecia a companhia de um bom prato, ficando melhor ainda quando acompanhado da berinjela recheada do jantar.

Os vinhos portugueses conseguem manter um diálogo aberto da rolha ao pé e o Capucho não é exceção. É um vinho que confirma a minha impressão que tomar um bom vinho é bater um papo com alguém com gostos semelhantes que ainda não encontramos pessoalmente.

Encontrei os dois na Vintage Express do Brasília Shopping.