quarta-feira, 15 de setembro de 2004

A Economia do Software Livre

Trabalhar em um projeto de Software Livre é uma experiência gratificante. Até mesmo para aqueles que nãoo programam, sempre há alguma forma de colaborar além da codificação. Atividades como a tradução do software, a escrita e tradução de manuais, a elaboração de projetos visuais ou simplesmente o uso e o relato de problemas são tão importantes em um projeto de Software Livre quanto a programação propriamente dita.

Mas qual a motivação que leva alguém a participar de um projeto de Software Livre? Em uma pesquisa realizada por Steven Weber foram detectadas seis grandes motivações:

  • Arte e beleza
  • Vocação
  • O inimigo comum
  • Ego
  • Reputação
  • Identificação com o sistema

Para muitos, programar é uma forma de arte e participar de um projeto permite ao programador exercitar a sua arte. Para muitos programadores não há nada mais belo que um código bem escrito.

A vocação para codificar é um outro fator importante. Há diversos programadores que exercem outras profissões no seu dia-a-dia. De engenheiros a médicos, há sempre um com vocação para programador.

A existência de um inimigo comum também é um forte motivador para a participação em projetos de Software Livre ao lado da identificação com o sistema. Dentro destes grupos encontram-se aqueles que participam de projetos por motivações políticas. Ir contra o sistema vigente, dar vazão à rebeldia ou simplesmente a vontade de mudar o mundo são os maiores motivadores destas categorias.

Ego e reputação andam de mãos dadas. Bem no fundo, o sonho de todo programador é ser reconhecido pelos seus pares pela qualidade do seu código e pela engenhosidade das suas soluções. E por falar em ego, qual o programador que não gostaria de ter o status de estrela que o Linus Torvalds tem?

Há também um outro motivo para se participar de um projeto de Software Livre: o motivo econômico. Não estou falando aqui de motivos monetários ou financeiros mas sim de uma economia de troca que muitas vezes passa desapercebida por muitos programadores. Quando converso com pessoas interessadas em um determinado projeto, noto que há duas perguntas freqüentes. A primeira é relativa ao conhecimento técnico: Não sou um grande programador, o que posso oferecer? A segunda é o reverso: Por que devo gastar meu tempo programando para os outros?

A resposta para ambas as perguntas é a mesma: Pela troca.

Em um ambiente proprietário, a experiência e o conhecimento custam caro. O único caminho para se adquirir o conhecimento é através de cursos e treinamentos que, como todos sabem, custam muito caro. Ainda mais, a não ser que se seja um programador muito no início de carreira, muitos destes cursos são inadequados, obrigando o candidato a desenvolvedor a fazer novos cursos cada vez mais avançaados para aprender um pouco mais.

Participar de um projeto de Software Livre permite a programadores de qualquer nível acesso a código bem elaborado, feito e refinado por programadores com muitos anos de estrada. O acesso a exemplos reais de programação é algo que poucos cursos oferecem e que é oferecido praticamente de graça pela comunidade de Software Livre. Praticamente, pois há uma troca neste processo. O programador iniciante pode até se sentir tentado a somente acompanhar as listas de discussão e ler o código. Mas chegará um momento em que apenas a leitura não será o suficiente para sanar uma dúvida sua. Neste momento, este programador irá fazer uma pergunta ou então propor uma alteração lógica ou de funcionalidade em um determinado módulo.

Apesar de muitas vezes o programador iniciante ser torpedeado pelos mais experientes, no meio do tiroteio virá pelo menos uma análise da solução apresentada que pode servir como orientação. Em muitos casos, as sugestões dadas por programadores iniciantes são aceitas por trazerem uma nova abordagem para um problema. E é aqui que os programadores experientes se beneficiam: Os comentários e análises de outros programadores servem para melhorar cada vez mais a qualidade do seu código.

Esta é a moeda de troca na economia do Software Livre. Sua contribuição, por menor que seja, lhe dá acesso a um banco de experiências ao qual você não teria acesso de outra forma. Um pequeno investimento rendendo um imenso retorno.

O mesmo se aplica a todas as demais fases de um projeto de Software Livre. Seja na documentação, diagramação de tela, escolha de ícones, ou em qualquer outra atividade, há sempre o grupo mais experiente e outro iniciante. A interação entre estes grupos gera uma dinâmica de troca de experiências que dificilmente pode ser encontrada em outros ambientes.

Com relação à pergunta se vale a pena participar de um projeto de Software Livre, continuo firme na minha resposta, vale a pena, sim.

quarta-feira, 9 de junho de 2004

Concorrência Desleal

O Brasil é mesmo um país sui generis. Enquanto em outros países, ditos desenvolvidos, os governos se esforçam para fazer com que a economia cresça através dos esforços da iniciativa privada, aqui parece haver uma necessidade de concorrer com ela. Além da excessiva carga tributária e burocracia com que o empresário brasileiro tem que conviver, também é preciso competir, e nem sempre em iguais condições, com o próprio governo.

No dia 3 de junho de 2004 a Cobra Tecnologia anunciou o lançamento da sua distribuição Linux, o Freedows, em uma parceria com a Associação Brasileira das Empresas de Software Livre – ABRASOL. Um lançamento louvável não fosse a Cobra uma empresa estatal. Ao lançar uma nova distribuição no mercado, a Cobra sinaliza ao mercado que o Linux é uma solução robusta e confiável o suficiente para valer a pena investir. No entanto, como uma empresa estatal não está sujeita às mesmas regras de mercado que as empresas privadas, este lançamento surge como um novo problema para as empresas brasileiras que desenvolvem distribuições GNU/Linux.

Apesar do comportamento recente do governo, esperando que as empresas estatais participem ativamente da composição do superávit primário, o objetivo de uma empresa estatal não é o lucro mas sim a atuação em mercados onde a iniciativa privada não atue, por falta de recursos ou por inexistência de mercado, e nos quais as políticas de desenvolvimento governamentais orientem haver interesse. Dentro desta linha, a empresa estatal deve atuar como geradora de mercados e não como concorrente.

Quando uma empresa privada deixa de ser lucrativa, sua tendência é a de fechar as portas ou mudar de ramo. Quando uma empresa estatal passa pelas mesmas dificuldades, há sempre o recurso de novos investimentos estatais para auxiliar na recuperação da sua saúde financeira.

Não há como competir contra uma empresa estatal. Seus preços são políticos e não técnicos. Sua abrangência, nacional, a permite competir em mercados onde pequenas e médias empresas poderiam estar atuando. Seu principal, e preferencial cliente, é o próprio governo que se vê obrigado a comprar das suas próprias empresas para garantir ao menos uma aparência de lucratividade e eficiência.

Os membros do governo cobram da iniciativa privada novos investimentos mas como investir quando a carga tributária tira os recursos que poderiam estar sendo investidos na atividade produtiva e os desvia, direta ou indiretamente, para uma estrutura que concorre diretamente com a própria iniciativa privada que o governo finge fomentar?

O Brasil não é, realmente, para amadores.

quarta-feira, 12 de maio de 2004

O Problema com as Patentes de Software

As negociações da Alca e as discussões no Parlamento Europeu estão trazendo à tona a questão da patenteabilidade do software. Esta discussão é relativamente nova em todo o mundo a não ser nos Estados Unidos onde, desde 1981, se admite a patenteabilidade do software. Em 1981, no caso Diamond v. Diehr, a Suprema Corte manteve a decisão de uma instância inferior onde um software utilizado na cura da borracha foi considerado como patenteável como parte integrante do processo industrial alvo da patente.

Tradicionalmente o software sempre foi protegido pelo instituto do Direito Autoral, aplicando-se o mesmo, especificamente, ao código fonte. A partir de 1981, no entanto, iniciou-se uma tendência nos Estados Unidos que culminou com o entendimento que uma patente de software é algo que governa o processo ou aplicação de uma idéia única que somente é manifestada pelo código – mas não o código em si1. Esta noção contrasta com o copyright que se aplica somente ao código. A patente de software transcende o código.

Esta definição para patentes de software adota um conceito que já vem se incorporando ao trabalho científico norte americano: a patenteabilidade de idéias. A cada dia vemos pesquisas científicas inovadoras que resultam em novas patentes. Patentes estas que vem sendo concedidas para idéias, conceitos e até mesmo para genes e seres vivos.

Historicamente, o instituto da patente visa garantir ao inventor a exclusividade na utilização do método ou invenção por ele produzida por um prazo determinado permitindo, desta forma, que o inventor possa ao menos recuperar o investimento realizado para o desenvolvimento do seu novo método ou invenção. Esta proteção tem por objetivo estimular a inovação garantindo aos inventores o privilégio da utilização do seu invento durante um tempo determinado.

No Brasil, o instituto da patente foi primeiro estabelecido no Alvará de 28 de abril de 1809 onde no seu parágrafo VI se lê:

Sendo muito conveniente que os inventores e introdutores de alguma nova máquina e invenção nas artes gozem do privilégio exclusivo, além do direito que possam ter ao favor pecuniário, que sou servido estabelecer em benefício da indústria e das artes, ordeno que todas as pessoas que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento à Real Junta do Comércio; e que esta, reconhecendo-lhe a verdade e fundamento dele, lhes conceda o privilégio exclusivo por quatorze anos, ficando obrigadas a fabricá-lo depois, para que, no fim desse prazo, toda a Nação goze do fruto dessa invenção.

A Lei Imperial 3.129 de 14 de outubro de 1882 consolida a patente, regulamentando a “concessão de patentes aos autores de invenção ou descoberta industrial”. Firmou-se nesta lei o período de 15 anos para o privilégio da patente bem como a possibilidade da transmissão da mesma para terceiros como se fosse qualquer outro bem regulado pelo Direito.

Hoje, no Brasil, o instituto da patente é regulado pela Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, alterada pela Lei 10.196 de 14 de fevereiro de 2001. O artigo 9º da Lei 9.279 define o que é patenteável:

Art. 9º- É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.

O legislador brasileiro foi extremamente cuidadoso ao determinar também o que não é patenteável no Brasil. O artigo 10 e seus incisos desta lei descreve o que não é considerado como invenção ou modelo de utilidade:

Art. 10 - Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II – concepções puramente abstratas;
III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
V – programas de computador em si;
VI – apresentação de informações;
VII – regras de jogo;
VIII – técnicas e métodos operatórios, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e
IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

O inciso V se alinha com o entendimento da Suprema Corte norte americana onde um software pode ser patenteado, desde que seja parte de um método industrial ou invenção passível de ser patenteado mas nunca por si.

A proteção ao software no Brasil é feita pelo disposto na Lei 9.609 de 19 de fevereiro de 1998. Esta lei define no seu artigo 2º que:

Art. 2º. O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

Com relação ao software, a legislação brasileira é clara. A não ser que seja parte de um processo industrial ou invenção, o software não é patenteável, sendo protegido pelo instituto do Direito Autoral. O mesmo ocorria nos Estados Unidos até a decisão do caso Diamond v. Diehr.

O que mudou não foi a concepção de software. Mudou a concepção da indústria.

Toda indústria passa por estágios no seu desenvolvimento2. A grosso modo, estes estágios podem ser descritos como:

  • Crescimento;
  • Maturação; e
  • Declínio

O estágio de crescimento é caracterizado por mercados em rápida expansão. Há uma demanda consistente por novos produtos e novos negócios se instalam para aproveitar este momento de crescimento. Este estágio também se caracteriza por lucros crescentes pois a economia de escala gerada por um mercado em expansão proporciona reduções progressivas nos custos das empresas que geralmente não se refletem nos preços praticados por elas.

Ao encerrar a fase de crescimento, a indústria chega à maturidade. Neste estágio, o seu crescimento deixa de ser acelerado passando a acompanhar, a grosso modo, o crescimento da economia onde a indústria se encontra inserida. Apesar de ainda ser lucrativa, os produtos e serviços oferecidos por empresas em mercados que atingem a maturidade perdem as suas características únicas passando a existir uma menor diferenciação entre os concorrentes no mercado. Esta perda leva a reduções de preços e tentativas de diferenciação por outros meios como a força da marca e a qualidade dos produtos. Nos períodos de baixa, as empresas que atingiram a maturidade têm reservas suficientes para garantir a sua permanência no mercado até a sua recuperação ou mesmo usar estas reservas para a elaboração de novos produtos esperando uma retomada do mercado ou uma nova fase de crescimento.

O estágio de declínio geralmente ocorre quando o mercado deixa de demandar produtos ou serviços oferecidos pelas indústrias instaladas. Um mercado em declínio também pode se caracterizar por ter empresas que não conseguem se manter competitivas após atingir a maturidade.

Desde sua criação, a indústria de software tem se mostrado extremamente rápida e dinâmica. Empresas e mercados são criados continuamente e a evolução entre os estágios do mercado, que ocorriam ao longo de décadas agora ocorrem no período de poucos anos. Empresas que em outros tempos teriam longos períodos de maturidade entram em declínio após apenas alguns anos de presença no mercado.

As funcionalidades e os preços oferecidos pelos fabricantes de software encontram-se cada vez mais próximos levando à conclusão que o mercado de software é um mercado que está entrando definitivamente no seu estágio de maturidade.

Muitas empresas com planos de negócios sólidos trabalham neste estágio tentando aumentar sua penetração no mercado através da oferta de novos produtos ou através da melhoria da qualidade dos produtos existentes. Outras, passam a buscar novas fontes de recursos como forma de continuar o ciclo de crescimento, evitando a todo custo permitir a sua entrada na fase de maturidade.

Com o esgotamento da fase de crescimento acelerado da indústria de software, muitas empresas passaram a buscar outras fontes de receita e passaram a fazer um grande lobby junto ao congresso norte americano para admitir a patenteabilidade do software.

Uma empresa com um portfolio de patentes pode sobreviver apenas com a arrecadação de royalties. Muitas empresas, como a IBM, já têm uma grande parte de suas receitas oriundas do recebimento de royalties por patentes de sua propriedade. Mas estas empresas possuem patentes em áreas “tradicionais” onde investiram grandes somas no desenvolvimento de novos produtos.

Ao serem forçadas a reduzir as suas margens de lucro para permanecer no mercado, as empresas de software passaram a buscar novas fontes de receita no patenteamento do seu portfolio de software gerando um novo mercado para a comercialização da propriedade intelectual referente ao software.

Em um mercado maduro, a entrada de um novo concorrente causa impacto em todos os players. Quando este novo concorrente é capaz de fornecer produtos com a mesma qualidade a preços menores, este impacto é ainda maior. Este novo competidor no mercado de software é o software livre.

Este competidor incorpóreo é representado por dois grandes movimentos: o “Free Software” e o “Open Source”.

Do ponto de vista econômico, um produto como o OpenOffice.org é muito mais atrativo para uma empresa que o seu concorrente, o Microsoft Office. A funcionalidade e a qualidade são praticamente as mesmas nos dois produtos. O mesmo ocorre com o Linux, que após alguns anos de desenvolvimento está se mostrando estável e confiável ao ponto de empresas como a IBM e a HP acreditarem ser economicamente viável lançar produtos para este sistema operacional.

Do ponto de vista da concorrência econômica, o software livre representa um competidor capaz de fornecer produtos de alta qualidade praticamente sem custo de aquisição. Não há como uma empresa com custos elevados competir com este concorrente do ponto de vista estritamente econômico. A força da marca é usada então para garantir a permanência da ligação entre os clientes e a empresa. Mas mesmo esta força tem um limite. As empresas são obrigadas a tentarem diferenciar seus produtos por outras formas. Com uma uniformização cada vez maior dos recursos, só resta a diferenciação através da redução do preço.

É neste contexto que a questão da patenteabilidade do software deve ser vista. As empresas de software não tem, ou não querem, reduzir suas margens pois têm contas a prestar para com os seus acionistas. Também não há condições para o desenvolvimento de novos produtos que gerem um novo ciclo de crescimento pois o mercado já se encontra estabelecido e maduro. Resta a redução de custos e a geração de novas receitas.

A redução de custos no mercado de software vem ocorrendo principalmente pelo corte de pessoal. Diversas empresas, entre elas a SCO, vêm anunciando cortes de pessoal com o objetivo de manter a lucratividade dos seus negócios. Mas mesmo estes cortes têm um efeito apenas temporário pois estas mesmas empresas logo se verão obrigadas a reduzir ainda mais os seus preços como forma de se manterem competitivas no mercado, levando a novos cortes em uma espiral destrutiva.

A geração de novas fontes de receita vem ocorrendo em duas frentes: através da alteração dos modelos de negócios, e a patente de software. No primeiro caso temos empresas como a IBM que vem aumentando a sua participação no mercado através da oferta de serviços. No segundo, temos empresas como a Microsoft que tentam manter as suas receitas através de um processo ativo de patenteamento de seus softwares, como no caso do recente pedido de patente para a FAT.

Um problema com esta estratégia de patenteamento é que poucos países, entre eles os Estados Unidos, admitem a patenteabilidade do software. De forma a garantir o crescimento das receitas advindas desta nova fonte de recursos, estas empresas se viram obrigadas a aumentar o lobby junto ao governo norte-americano para através de acordos internacionais ou pressões políticas, forçar outros países a também admitir o modelo de patentes adotado naquele país.

O impacto de um possível sucesso desta política será o de se interromper o desenvolvimento do mercado de software em todo o mundo. Ao se admitir o conceito definido pelo Instituto Alexis de Tocqueville, que a patente de software protege o processo ou aplicação de uma idéia única que somente é manifestada pelo código, admite-se a possibilidade de se patentear conceitos de aplicação. Por esta definição, é possível patentear não os algoritmos usados por um editor de textos de uma determinada empresa, mas o próprio conceito de um editor de textos, fazendo com que apenas o detentor desta patente possa produzir ou autorizar a produção de um editor de textos de um concorrente. A adoção deste conceito de patenteabilidade, criará um monopólio de idéias, freando o desenvolvimento de novos produtos em todo o mundo.

O mercado de software está chegando a um impasse. De um lado, empresas que estão tentando, a qualquer custo, manter os modelo de negócios tradicional de venda de produtos. De outro, as empresas que reconheceram no software o caminho para a venda de serviços. O resultado deste embate definirá o futuro do mercado.

domingo, 2 de maio de 2004

Sobre Gnus e Pingüins

Em 1984, foi iniciado um esforço por parte de alguns programadores do MIT para substituir componentes do Unix por versões gratuitas. O resultado deste esforço foi a criação de um ambiente que foi posteriormente chamado de GNU (GNU's Not Unix). O desenvolvimento do GNU foi centrado na substituição dos aplicativos e utilitários que compunham o Unix. O cerne do sistema, no entanto, continuava sendo o kernel do Unix. Este esforço foi comandado pelo então desenvolvedor do MIT, Richard Stallman.

Em 1991, um projeto de kernel de sistema operacional baseado no Minix (outra variação do Unix), foi iniciado como atividade acadêmica por um jovem desenvolvedor finlandês, Linus Torvalds. A princípio, não era mais que um projeto de hackers que não pretendia concorrer com o Hurd (kernel em desenvolvimento pelo GNU). Porém, com a disponibilização do Linux sob o regime de “Copyleft” em 1992, o kernel Linux passou a sofrer um desenvolvimento acelerado e passou a ser adotado por um número cada vez maior de usuários do GNU.

Em poucas palavras, este foi o início do sistema que hoje conhecemos por Linux (ou mais propriamente GNU/Linux). Fazem parte desta história, companhias como a Red Hat nos Estados Unidos, a SuSE na Europa e a Conectiva no Brasil que passaram a empacotar o Linux com os utilitários GNU, apresentando distribuições cada vez mais amigáveis e completas. O crescimento explosivo da aceitação do GNU/Linux por usuários, grandes corporações, e governos comprova que este casamento foi muito mais que bem sucedido.

Mas, apesar do casamento feliz, o atual ambiente GNU/Linux resulta de duas visões diferentes sobre o desenvolvimento de software e sua função social.

O projeto GNU é mais que simplesmente um projeto técnico. O GNU é uma proposta social que envolve software. A visão do GNU, através da Free Software Foundation, é a que a pessoa deve ser livre e ter livre acesso ao software. Esta liberdade é desdobrada em quatro liberdades básicas:

  • A pessoa deve ter livre acesso ao software;
  • A pessoa deve ter livre acesso ao fonte do software;
  • A pessoa deve ser livre para alterar o software e;
  • A pessoa deve ser livre para redistribuir o software modificado por ela ou por outros.

Só é considerado livre o software que atenda a todas estas quatro liberdades.

Já o Linux é fruto de outro movimento, conhecido como Open Source (Código Aberto). Não há um interesse social neste movimento e o livre acesso ao código é tratado como uma técnica de desenvolvimento e não como atividade social. No movimento Open Source o desenvolvimento e não a sociedade é o beneficiário do esforço.

Apesar de terem diversos pontos em comum, as visões de cada movimento são bastante diferentes. Não é de se estranhar, portanto, que algumas empresas adotem o Linux e o open source e outras ataquem o movimento de software livre com a mesma determinação.

Esta confusão entre os movimentos se estende ao governo, gerando mais confusão que esclarecimentos. Esta confusão fica mais evidente com declarações como as feitas por uma senadora em 2003: “O código aberto faz parte do resgate da cidadania dos brasileiros.” O Executivo também não fica muito atrás, promovendo a utlização de software open source como se fosse livre e vice versa.

As divergências entre software livre e código aberto só não se tornam mais evidentes pela existência de um “inimigo comum”, hoje personificado pela Microsoft e pela SCO. Enquanto existir este confronto, haverá uma paz relativa no mundo GNU/Linux.

O software livre atende às aspirações de liberdade do indivíduo. O código aberto, às necessidades dos desenvolvedores. As empresas conseguem compreender e conviver com o modelo de código aberto mas não muito bem com a idéia proposta pelo software livre.

O embate entre Open Source e Free Software já começa a ocorrer nos Estados Unidos e acabará ou com a “vitória” de uma das frentes ou com a criação de um novo conceito de desenvolvimento e uso de software resultante da compatibilização de ambos os movimentos.

O Brasil não pode ficar alheio a este debate. Cabe a nós ampliar a discussão para não ficarmos mais uma vez à mercê de decisões externas. Como indivíduos, podemos ter a opinião que quisermos. Como sociedade, no entanto, precisamos definir logo qual o modelo que adotaremos.

segunda-feira, 12 de abril de 2004

Por um Novo Modelo de Negócios

Há alguns dias, uma discussão no site br-linux.org me chamou a atenção. Foi uma reação da comunidade a um artigo do jornalista Luis Nassif, publicado na Folha de São Paulo levantando as fragilidades do atual modelo proposto pelo governo federal e pela comunidade para o apoio ao software livre. Como tudo o mais neste novo mundo, o tema levanta discussões apaixonadas de todos os lados levando a debates acalorados. Gostaria de fazer aqui minha pequena contribuição ao debate.

A discussão se o software livre é viável do ponto de vista econômico se deve principalmente ao confronto entre o modelo de desenvolvimento do software livre e o da indústria de software. O modelo adotado pela indústria do software se baseia no modelo tradicional da produção industrial onde o preço do produto é formado levando-se em conta a recuperação dos investimentos realizados no seu desenvolvimento somada ao custo marginal de produção, à margem de lucro e aos impostos. Há outros fatores que determinam o preço final de venda de um produto, mas a grosso modo, estes são os principais. O problema da discussão sobre o modelo de negócios do software livre começa justamente nos dois primeiros ítens: a recuperação do investimento e o custo marginal de produção.

De forma geral, um software livre é desenvolvido de forma colaborativa e voluntária, somando os esforços de centenas, e algumas vezes milhares de desenvolvedores que contribuem com o desenvolvimento do software nas suas horas vagas. Isto torna o custo de desenvolvimento de um produto de software livre extremamente difícil de ser aferido até mesmo pelos próprios voluntários. Isto porque a motivação dos voluntários em projetos de software livre é diferente daquela dos programadores contratados por empresas. Enquanto nestas há a predominância do fator econômico, onde a empresa determina uma remuneração e exige prazos e resultados, naquela há o predomínio de fatores como ética e ego. Para muitos existe a sensação de se estar colaborando para alcançar objetivos nobres, a divulgação do conhecimento e a melhoria da qualidade de vida de quem vai utilizar o software. Para outros é um investimento de longo prazo, a chance de serem reconhecidos pela comunidade como sendo grandes programadores melhorando as suas chances de serem contratados por grandes empresas do setor.

O problema de como quantificar o investimento realizado no desenvolvimento de um software livre fica ainda maior quando se tem empresas que mantém funcionários “colaborando” com os projetos nas suas folhas de pagamento. Há diversos casos de empresas como a IBM, a Sun e a Siemens que mantém programadores contratados com a missão de colaborar com projetos de software livre como o Mozilla, o OpenOffice.org, o Eclipse e o Apache. De forma geral, as empresas que investem no desenvolvimento de software livre relutam em dizer exatamente quanto estão gastando ou inflam os valores de forma a mostrar um maior comprometimento com o movimento.

O custo marginal de produção de um software é o segundo ponto crítico na análise do modelo. Enquanto para as demais indústrias o custo marginal é facilmente apurável, para o software este custo tende a zero. Não interessa quantos carros uma fábrica produz, há sempre peças a serem compradas para a produção uma nova unidade. Uma vez produzido um software, no entanto, os custos de produção de uma segunda cópia são ínfimos, resumindo-se, muitas vezes apenas ao custo de produção de embalagens e aos de distribuição. Quando se para para pensar no custo de se prensar um CD-ROM, é possível perceber que no espaço de uma mídia é possível incluir diversos produtos ao custo de menos de R$ 1,00 por unidade. Distribuindo-se o software através de meios eletrônicos como a Internet, este custo fica ainda menor.

Há um motivo claro, mas pouco discutido, para este comportamento, aparentemente estranho, do software. O software não é um produto no sentido tradicional da indústria. Software é conhecimento. Uma vez cristalizado, seja em um texto ou em um programa de computador, não há mais custo a não ser o custo da distribuição do conhecimento, seja através de livros, de CD-ROMs ou de páginas na Internet. Com a proliferação de serviços gratuitos de hospedagem de sites, pode-se chegar à situação de custo zero para a distribuição de um software para o seu autor.

A questão do preço leva à questão da sustentabilidade do software livre como negócio. Como se pode garantir a continuidade de um software quando todo o seu desenvolvimento é baseado em trabalho voluntário? Certamente haverá um momento em que os voluntários estarão trabalhando em outras atividades e não terão tempo ou condições para resolver uma vulnerabilidade recém descoberta no produto. Também pode ocorrer de um software ter o seu desenvolvimento descontinuado deixando os seus usuários sem ter a quem recorrer. Esta é a pergunta mais frequentemente feita por empresas que estão analisando soluções baseadas em software livre e por críticos do modelo. A resposta a esta pergunta não será encontrada no atual modelo de negócios da indústria de software. Torna-se necessária a criação de um novo modelo, não mais baseado no produto software mas nos serviços agregados a ele.

Um modelo de negócios baseado em serviços tem como vantagem para o usuário, a independência de fornecedor. Não é preciso se prender ao fornecedor do software para a realização de manutenção, correções ou inovações. Caso os serviços providos por um determinado fornecedor não atendam às necessidades do cliente, pode-se recorrer ao mercado para a contratação de um outro. Também não é preciso aguardar por uma nova versão para que seja implementada um recurso considerado crítico. Novamente pode-se contratar no mercado um fornecedor de serviços que faça a inclusão desta funcionalidade no produto. Ter o código fonte à mão representa não um problema mas uma garantia para o usuário consumidor do produto. Esta garantia de se ter acesso ao código fonte não está disponível no modelo adotado pela indústria. Caso uma indústria fornecedora de um determinado software vá a falência, o usuário não tem para onde recorrer ficando com uma verdadeira bomba relógio nas mãos. Um software sem possibilidade de manutenção que quando falhar, não poderá ser corrigido.

O modelo de serviços permitido pelo software livre apresenta outra vantagem, desta vez do ponto de vista social. A tendência de clientes que optem por soluções de software livre deverá ser a de contratação de serviços locais. Acredito que esta tendência será reforçada principalmente pelos custos associados ao deslocamento de técnicos de grandes centros para localidades periféricas onde os usuários estarão. Esta localização dos serviços permitirá o desenvolvimento tecnológico dos pequenos e médios centros urbanos abrindo novas oportunidades de negócios com reflexos positivos para a economia local.

Cabe ao governo, nas suas esferas federal, estadual e municipal, como maior consumidor de produtos de informática fomentar este mercado. Ao passar a utilizar produtos de software livre, uma prefeitura pode iniciar o processo que culminará com a criação de empregos qualificados no município. Com a presença de um mercado fornecedor de serviços, as empresas locais verão condições para também utilizar soluções de software livre, ampliando as condições para a expansão do mercado. O governo cumprirá, desta forma, seu papel gerando as condições para o desenvolvimento da economia local, sem a necessidade de subsídios ou de despesas adicionais pois os recursos utilizados para a contratação dos serviços poderiam vir daqueles destinados atualmente à compra de software proprietário.

Pequenas ações a nível governamental podem fazer com que áreas tradicionalmente presas ao primeiro setor da economia possam vir a ser integradas na sociedade da informação, movimentando as economias locais, aumentando a qualidade de vida das suas populações através da criação e manutenção de um mercado consumidor.

Mas em um país sedento por divisas como o Brasil, a produção de software para exportação representa uma importante atividade que precisa ser incentivada. Como compatibilizar o modelo do software livre com a necessidade de exportação?

O software livre se adequa perfeitamente a um modelo de negócios baseado em serviços. No entanto, o fornecimento de serviços não se adequa de forma perfeita a uma economia de escala voltada à exportação. Felizmente, há soluções no software livre que permitem a produção de software segundo o modelo tradicional que não conflitam com o mercado de serviços que pode ser gerado por ele.

A produção de software com vistas à comercialização parte do pressuposto da proteção do que se convencionou chamar de “propriedade intelectual”. É a partir desta proteção que se permite a cobrança de royalties pela utilização de um determinado produto de software ou de uma idéia. No Brasil, esta proteção é dada pelo instituto do Direito Autoral, o Copyright. O Copyright garante ao autor de obra intelectual que a sua utilização somente se dará nos termos em que permitir. O Copyright também garante ao autor a possibilidade de cobrar um valor pela utilização da sua obra. É na possibilidade desta cobrança que a indústria de software se estrutura.

Não há incompatibilidade entre o software livre e o regime de Copyright. Quando a Free Software Foundation criou o Copyleft, deixou claro que não estava combatendo o direito de propriedade do autor com relação à sua obra, apenas criando uma nova condição para a sua utilização. Dentro do regime de Copyleft, o autor condiciona a utilização da sua obra à não geração de condições restritivas à mesma. Ou seja, uma obra derivada não pode impor condições de utilização que restrinjam aquelas originalmente impostas pelo seu autor original. Este é o que a indústria de software determinou ser o “aspecto viral” da GPL que tem o potencial de “contaminar” todo software desenvolvido dentro do conceito do software livre.

No entanto, esta cláusula da GPL somente se aplica àqueles softwares que a utilizem como forma de licenciamento. Licenças como a L-GPL permitem que componentes de software livre possam ser utilizados por produtos comerciais sem “contaminá-los”. Diversos softwares como o próprio OpenOffice.org são licenciados através de um modelo duplo onde a sua utilização e o acesso ao código são livres, desde que sem a finalidade de se produzir um novo software comercial. Estas licenças, no entanto, preservam mais das liberdades definidas pela Free Software Foundation que muitas empresas produtoras de software gostariam. De forma a preservar o interesse econômico das empresas e garantir os benefícios sociais do software livre, será necessária a utilização de um modelo de licenciamento que permita o acesso ao código fonte como garantia ao usuário e que, ao mesmo tempo, preserve os direitos à propriedade do software dos seus autores.

Há licenças como a “Sun Community Source License” ou a “University of Utah Public License” que permitem o acesso ao código fonte pelos usuários sem no entanto permitir a redistribuição dos produtos nas suas formas originais ou alteradas. Muito embora não constituam propriamente licenças de software livre, podem servir como um modelo de licença que garanta às empresas proteção suficiente contra a pirataria preservando, simultaneamente, os benefícios sociais inerentes ao software livre.

A adoção de um modelo de licenciamento onde se permita o acesso ao código fonte traz benefícios a toda a cadeia de produção e utilização de software: Aos usuários, pois passam a ter a garantia que mesmo que a empresa fornecedora do software venha a fechar as portas, o produto poderá ser mantido, corrigido e atualizado; aos fornecedores de serviços locais, com a criação de um novos mercados; às empresas produtoras de software, com a possibilidade de se aproveitarem do modelo de desenvolvimento aberto para melhorar continuamente os seus produtos através das sugestões, otimizações e melhorias providas por uma estrutura de suporte distribuída montada sem a necessidade de grandes investimentos e; à sociedade, com a melhoria da qualidade de vida permitida pela diferenciação e dinamização econômica dos pequenos é médios centros urbanos.

quarta-feira, 7 de abril de 2004

Por um Novo Modelo

Há um erro de estratégia no mundo Linux. Devido à visão radical de certos grupos que originaram os movimentos do Software Livre e do Código Aberto, a idéia de substituição de sistemas proprietários por sistemas abertos é uma constante. Parece haver um consenso entre defensores do software livre da mídia e da indústria, que o único caminho é o da substituição radical.

Esta posição de confronto entre os defensores do software proprietário e os do software aberto está de tal modo arraigada no pensamento da indústria de TI que gera relatórios como o do Yankee Group, nesta semana, onde, para a surpresa de todos, se chega à conclusão que os custos de migração de um ambiente Windows para o Linux inviabilizam a solução.

A reação dos radicais do “mundo livre” chegou ao ponto de serem enviados e-mails com ameaças aos autores do relatório. Em outra consultoria, a Forrester Group, um dos consultores pediu demissão, segundo nota publicada na Slashdot Estas posições apenas reforçam o confronto entre os dois grupos.

Mas a quem interessa o confronto?

Sem saber, a comunidade defensora do software aberto está fazendo o jogo do inimigo. Este confronto não é considerado sério pelos setores técnicos das empresas mas tem um peso considerável nas decisões tomadas por suas diretorias. São os diretores, especialmente aqueles que tem que prestar contas aos seus acionistas, que tomam a decisão de migrar ou manter os seus ambientes de TI. E para eles, só está sendo mostrado um mundo em preto e branco: ou se mantém todo o parque baseado em software proprietário ou se migra todo o parque para software aberto. Não há meio termo.

Ao caracterizar a comunidade do software aberto como sendo a de um bando de revolucionários que quer acabar com a economia como nós a conhecemos, os defensores do software proprietário ganham pontos junto aos tomadores de decisão. Em contrapartida à incerteza do desenvolvimento continuado, oferece-se a estabilidade contratual; aos elevados custos de uma migração total, o preço convidativo da migração para novas versões dos mesmos produtos em utilização. Independente de sua capacidade técnica, Linus Torvalds ainda é visto como um “geek”. Richard Stallman e John “maddog” Hall também não contribuem muito com o visual de um movimento sério, capaz de revolucionar a indústria como nós a conhecemos.

A indústria de software, por outro lado, sabe quem paga a conta. Sua imagem de “seriedade” é cuidadosamente estudada e exposta a um público altamente selecionado: aquele que decide a compra.

Há diversos fatores que devem ser considerados para o sucesso do software aberto: fatores financeiros, como a criação de formas constantes de custeio; fatores técnicos, como a correção de falhas em tempo hábil; e até fatores jurídicos, como a exigência de garantias por parte dos usuários. São todos fatores de extrema importância. Mas há um fator que não vem recebendo a consideração devida: o fator imagem.

É preciso jogar fora a casca de radicalismo que vem cobrindo o software aberto. É preciso evitar o confronto inútil gerado pela insistência em sempre se fazer uma substituição total. É preciso gerar um modelo de migração.

Sem um modelo de migração não há como se falar em substituição. O discurso radical somente atende aos interesses do outro lado. É preciso gerar um modelo que permita um futuro possível e não um futuro utópico, ideal e, inatingível. Receio apenas que quando a comunidade do software aberto chegar a este modelo, talvez já seja tarde demais.