quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Máquinas de escrever

– Chefe! Estamos com um problema.

– O que foi?

– Ninguém consegue trabalhar depois que atualizamos as máquinas!

– Como é que é?

– Ninguém consegue...

– Isso eu ouvi! Mas como assim ninguém consegue trabalhar?

– Estão todos reclamando! Tem gente dizendo que não recebeu treinamento, que não foram avisados da atualização...

– Mas isso é o fim do mundo!

– Já avisaram que não vai dar para soltar o relatório do semestre no dia...

– Mas nem o relatório? Quem autorizou a atualização?

– Foi o senhor...

– Eu? Mas quando?

– Foi depois que o pessoal da área técnica disse que teríamos que fazer a atualização.

– Volta!

– Como é que é?

– Volta tudo! Tira as Remingtons do almoxarifado e devolve as Olivetti!

Bons tempos em que aprendiamos a datilografar. Quando mudávamos de emprego ou a empresa comprava novas máquinas, ninguém reclamava. Remington, Olivetti, IBM... todas conviviam no mesmo ambiente de trabalho sem que nenhum usuário de uma máquina reclamasse que não conseguia ler o que outro escrevia em outra máquina.

Aprendiamos a datilografar.

Hoje aprendemos Word. Aprendemos WordPerfect. Aprendemos WordStar. Hoje não aprendemos mais a escrever. Durante um certo tempo existiam cursos de digitação que rapidamente cairam no esquecimento pois com o computador em casa, qualquer um sabe como digitar. Ou sabe?

Em projetos de migração que participei, a reclamação mais frequente era: “Isso eu não sei usar!” Será? Será que uma pessoa inteligente, com capacidade de aprender não consegue olhar para um teclado, uma folha em branco e saber como escrever?

Caimos no golpe da solução pronta. Emburrecemos. Acreditamos na história que datilografia é coisa do passado. Compramos a idéia que precisamos aprender a usar os produtos que nos são empurrados convenientemente quando compramos um novo computador. Ficamos viciados em formatos de arquivos que obrigam a todos com quem nos relacionamos a comprarem os mesmos programas que usamos.

Fico pensando: Como posso obrigar meu pai, aposentado, a gastar R$ 800,00 numa cópia do Office para ler os textos que escrevo? Faço uma cópia pirata?

Quando vejo um edital de concurso público em que se exige conhecimento de Word, imagino a quantidade de candidatos que correm aos camelôs para comprar cópias “alternativas” ou aos amigos para copiá-lo pois mal tem dinheiro para pagar a taxa de inscrição do concurso.

Precisamos reaprender a datilografar.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

O Canto da Sereia

A Verdadeira Face das Patentes de Software

Todos conhecem a lenda das sereias. Não aquelas dos filmes da Disney ou a dos Irmãos Grim. Me refiro às sereias da mitologia grega. Aquelas que com suas melodias sedutoras atraiam os pobres marinheiros para a morte nos rochedos. Assim como as sereias gregas, com seus rostos angelicais e corpos de aves de rapina, os defensores das patentes de software vêm encantando empresas em todo o mundo com discursos de como a proteçãoo garantida pelas patentes aumentaria a inovação tecnológica. As recentes ações de uma empresa Norte-Americana, a Trading Technologies, mostra, agora, a verdadeira face do perigo de se admitir as patentes de software.

O Escritório de Patentes dos Estados Unidos concedeu à Trading Technologies duas patentes para componentes de softwares comercializados por ela. São as patentes de número 6,772,132 e 6,766,304. Estas patentes cobrem mecanismos de otimização de trocas em bolsas eletrônicas de futuros. Como outras patentes de software concedidas para outras empresas americanas, estas seriam apenas mais duas com que os desenvolvedores de software teriam que se preocupar. No entanto, a Trading Technologies resolveu exercer o seu direito a estas patentes de uma forma inédita.

Em uma carta aberta de seis páginas publicada no Wall Street Journal e no Financial Times, a Trading Technologies diz que irá exercer os seus direitos sobre as patentes concedidas contra as próprias bolsas de futuros. Isso será feito através de uma pequena taxação de 2,5 centavos de Dólar para cada lado de uma transação. Segundo o Groklaw, isto resultaria em uma receita anual de 130 milhões de Dólares. Caso esta oferta não seja aceita, a Trading Technologies se veria obrigada a aumentar o preço do seu software bem como processar todos que estiverem usando qualquer software que infrinja as suas patentes. Nesta mesma carta a Trading Technologies indica que pode estudar ofertas de compra da companhia. O alvo da carta são as duas bolsas de futuros de Chicago e as bolsas européias Euronext.Liffe, na Inglaterra, e a Eurex, na Alemanha.

No melhor estilo de venda de proteção da Máfia de Chicago, a Trading Technologies, detentora de duas patentes chave para as bolsas de futuros, ameaça processar todos que não pagarem a taxa estabelecida por ela. Pela legislação americana, dada a importẫncia das patentes concedidas, a Trading Technologies se vê detentora do monopólio sobre a tecnologia de trocas em bolsas de futuros.

Ao invés de fomentar, como alegam os seus defensores, a Trading Technologies está provando que as patentes de software não apenas impedem a inovação como também permitem a construção de monopólios onde é dado às empresas detentoras das patentes o direito de impor taxações e restringir a utilização das suas patentes apenas àquelas empresas que se sujeitem às suas condições.

Em um cenário extremo, porém possível, a Trading Technologies pode, agora, taxar ou mesmo impedir o funcionamento de qualquer bolsa de futuros em qualquer país que aceite patentes de software.

Parafraseando Tolkien, se você está com medo das patentes de software, não está com medo suficiente.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

Sun Microsystems e as 1.600 Patentes

A comunidade do Software Livre recebeu com uma mistura de surpresa e curiosidade a notícia que a Sun estava abrindo o código do Solaris bem como liberando o acesso a 1.600 patentes de sua propriedade. Depois do anúncio da liberação de 500 patentes por parte da IBM, o anúncio da Sun pareceu reforçar a sensação que o discurso do Software Livre estava finalmente sendo reconhecido pelas grandes do setor de informática.

Mas à medida que mais detalhes vinham à tona, muitos começaram a notar que havia algo errado. Ao invés de usar uma licença existente, como a GPL, a Sun usou uma nova, a CDDL – Common Development and Distribution Licence, devidamente aprovada pela OSI. O problema com o anúncio da Sun começa, justamente, com a redação da CDDL.

Apesar de ser uma licença adequada para o Software Aberto, pois implica na publicação do fonte, a CDDL não se adequa para o Software Livre. Ao adotar a CDDL, a Sun deu com uma mão e tirou com a outra. Não é permitida a utilização de código licenciado pela CDDL em outro produto. Usar um código publicado sob a CDDL em um outro software deixa o desenvolvedor vulnerável a ser processado pela Sun por quebra de patente. A seção 2.2(d) da CDDL deixa isso bastante claro (a tradução é minha e o original pode ser conferido no site da Sun).

(d) Não obstante a Seção 2.2(b) acima, nenhum licenciamento de patente é concedido: (1) para qualquer código que o Contribuidor tenha excluído da Versão do Contribuidor; (2) para violações causadas por: (i) modificações de terceiros à Versão do Contribuidor; ou (ii) a combinação de Modificações feitas por aquele Contribuidor com outro software (exceto como parte da Versão do Contribuidor) ou outros dispositivos; [...]

Basicamente, ao dizer que não há licença concedida para a combinação de modificações com outro software, a Sun impede que qualquer código do OpenSolaris seja usado em qualquer outro software que não o próprio OpenSolaris. Com esta redação, a Sun mantém o Solaris onde sempre esteve, sob o controle da própria Sun. Esta posição foi reforçada em um evento da Sun em 1 de Fevereiro onde ficou claro que a Sun abriu mas não libertou nem o código do Solaris nem as suas 1,600 patentes. (O evento está disponível para visualização no site da Sun).

Se a CDDL não é livre, então o que a Sun está querendo? Porque não adotar o modelo de licenciamento duplo, como a própria Sun fez com o OpenOffice.org? A resposta a estas perguntas deve estar bem guardada na cabeça dos executivos da Sun. Tudo o que posso fazer é considerar o que é publicado para tentar entender o real propósito por trás da abertura do código do Solaris.

Com o Linux consolidado como alternativa viável para o mercado de servidores, a Sun viu o Solaris perder cada vez mais espaço nas decisões de compras de novas instalações e até nas atualizações das versões de Solaris existentes. Analisando o progresso do Linux e de outros projetos de Software Livre, a Sun finalmente acordou para a força da comunidade. As suas experiências prévias com o StarOffice/OpenOffice.org e com a linguagem Java são provas irrefutáveis da força da comunidade para o desenvolvimento de um produto. No entanto, ao invés de adotar um modelo de licenciamento duplo como o que foi feito com o StarOffice/OpenOffice.org, a Sun optou por abrir o código do Solaris com uma única licença não livre. De certa forma, como fez com o Java. Qual a diferença? Porque não adotar o modelo de licenciamento bem sucedido do StarOffice/OpenOffice.org?

Há uma enorme diferença na origem dos produtos. O Java quanto o Solaris são produtos desenvolvidos pela própria Sun enquanto o StarOffice/OpenOffice.org foi comprado de outra empresa. Seria esta a diferença? Será que a Sun considera os seus próprios produtos mais dignos de proteção que aqueles adquiridos de terceiros? Aparentemente, a resposta a esta pergunta é: sim.

No evento realizado em 1 de Fevereiro, o próprio Scott McNeally disse não acreditar que uma empresa não deve proteger sua propriedade intelectual. Neste mesmo evento foi dito que a Sun não pretende processar programadores de software aberto que utilizem suas patentes. No entanto, a redação dada a licença diz algo um pouco diferente. A CDDL diz claramente que a Sun se compromete a não processar desenvolvedores que utilizem as patentes e o código do OpenSolaris desde que o desenvolvimento seja mantido dentro do próprio OpenSolaris. Esta proteção não é estendida para programadores que incluam código do OpenSolaris em outros produtos. Neste caso, a própria Sun pode processar o desenvolvedor por estar utilizando indevidamente sua propriedade intelectual.

A Sun deve estar esperando que uma comunidade de desenvolva em torno do OpenSolaris. Uma comunidade que seja capaz de fazer com que o produto volte a ter a força que teve um dia. É possível que a Sun também acredite que possa seduzir desenvolvedores Linux para começarem a trabalhar no OpenSolaris diminuindo, assim, a força da comunidade Linux permitindo uma recuperação do Solaris junto às empresas.

Há muitas possibilidades mas só a Sun sabe o que realmente pretende com a abertura do OpenSolaris sob a CDDL. O que fica é apenas a certeza que o comprometimento da Sun com o Software Livre não é tão grande assim. A abertura do Solaris e das 1.600 patentes não nada mais que um golpe de marketing, atraindo a atenção da mídia e fazendo com que a Sun voltasse às páginas dos noticiários.

Afinal, dentro destas 1.600 patentes não há uma única que se refira a parafusos invioláveis.

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

A Economia do Software Livre

Trabalhar em um projeto de Software Livre é uma experiência gratificante. Até mesmo para aqueles que nãoo programam, sempre há alguma forma de colaborar além da codificação. Atividades como a tradução do software, a escrita e tradução de manuais, a elaboração de projetos visuais ou simplesmente o uso e o relato de problemas são tão importantes em um projeto de Software Livre quanto a programação propriamente dita.

Mas qual a motivação que leva alguém a participar de um projeto de Software Livre? Em uma pesquisa realizada por Steven Weber foram detectadas seis grandes motivações:

  • Arte e beleza
  • Vocação
  • O inimigo comum
  • Ego
  • Reputação
  • Identificação com o sistema

Para muitos, programar é uma forma de arte e participar de um projeto permite ao programador exercitar a sua arte. Para muitos programadores não há nada mais belo que um código bem escrito.

A vocação para codificar é um outro fator importante. Há diversos programadores que exercem outras profissões no seu dia-a-dia. De engenheiros a médicos, há sempre um com vocação para programador.

A existência de um inimigo comum também é um forte motivador para a participação em projetos de Software Livre ao lado da identificação com o sistema. Dentro destes grupos encontram-se aqueles que participam de projetos por motivações políticas. Ir contra o sistema vigente, dar vazão à rebeldia ou simplesmente a vontade de mudar o mundo são os maiores motivadores destas categorias.

Ego e reputação andam de mãos dadas. Bem no fundo, o sonho de todo programador é ser reconhecido pelos seus pares pela qualidade do seu código e pela engenhosidade das suas soluções. E por falar em ego, qual o programador que não gostaria de ter o status de estrela que o Linus Torvalds tem?

Há também um outro motivo para se participar de um projeto de Software Livre: o motivo econômico. Não estou falando aqui de motivos monetários ou financeiros mas sim de uma economia de troca que muitas vezes passa desapercebida por muitos programadores. Quando converso com pessoas interessadas em um determinado projeto, noto que há duas perguntas freqüentes. A primeira é relativa ao conhecimento técnico: Não sou um grande programador, o que posso oferecer? A segunda é o reverso: Por que devo gastar meu tempo programando para os outros?

A resposta para ambas as perguntas é a mesma: Pela troca.

Em um ambiente proprietário, a experiência e o conhecimento custam caro. O único caminho para se adquirir o conhecimento é através de cursos e treinamentos que, como todos sabem, custam muito caro. Ainda mais, a não ser que se seja um programador muito no início de carreira, muitos destes cursos são inadequados, obrigando o candidato a desenvolvedor a fazer novos cursos cada vez mais avançaados para aprender um pouco mais.

Participar de um projeto de Software Livre permite a programadores de qualquer nível acesso a código bem elaborado, feito e refinado por programadores com muitos anos de estrada. O acesso a exemplos reais de programação é algo que poucos cursos oferecem e que é oferecido praticamente de graça pela comunidade de Software Livre. Praticamente, pois há uma troca neste processo. O programador iniciante pode até se sentir tentado a somente acompanhar as listas de discussão e ler o código. Mas chegará um momento em que apenas a leitura não será o suficiente para sanar uma dúvida sua. Neste momento, este programador irá fazer uma pergunta ou então propor uma alteração lógica ou de funcionalidade em um determinado módulo.

Apesar de muitas vezes o programador iniciante ser torpedeado pelos mais experientes, no meio do tiroteio virá pelo menos uma análise da solução apresentada que pode servir como orientação. Em muitos casos, as sugestões dadas por programadores iniciantes são aceitas por trazerem uma nova abordagem para um problema. E é aqui que os programadores experientes se beneficiam: Os comentários e análises de outros programadores servem para melhorar cada vez mais a qualidade do seu código.

Esta é a moeda de troca na economia do Software Livre. Sua contribuição, por menor que seja, lhe dá acesso a um banco de experiências ao qual você não teria acesso de outra forma. Um pequeno investimento rendendo um imenso retorno.

O mesmo se aplica a todas as demais fases de um projeto de Software Livre. Seja na documentação, diagramação de tela, escolha de ícones, ou em qualquer outra atividade, há sempre o grupo mais experiente e outro iniciante. A interação entre estes grupos gera uma dinâmica de troca de experiências que dificilmente pode ser encontrada em outros ambientes.

Com relação à pergunta se vale a pena participar de um projeto de Software Livre, continuo firme na minha resposta, vale a pena, sim.

quarta-feira, 9 de junho de 2004

Concorrência Desleal

O Brasil é mesmo um país sui generis. Enquanto em outros países, ditos desenvolvidos, os governos se esforçam para fazer com que a economia cresça através dos esforços da iniciativa privada, aqui parece haver uma necessidade de concorrer com ela. Além da excessiva carga tributária e burocracia com que o empresário brasileiro tem que conviver, também é preciso competir, e nem sempre em iguais condições, com o próprio governo.

No dia 3 de junho de 2004 a Cobra Tecnologia anunciou o lançamento da sua distribuição Linux, o Freedows, em uma parceria com a Associação Brasileira das Empresas de Software Livre – ABRASOL. Um lançamento louvável não fosse a Cobra uma empresa estatal. Ao lançar uma nova distribuição no mercado, a Cobra sinaliza ao mercado que o Linux é uma solução robusta e confiável o suficiente para valer a pena investir. No entanto, como uma empresa estatal não está sujeita às mesmas regras de mercado que as empresas privadas, este lançamento surge como um novo problema para as empresas brasileiras que desenvolvem distribuições GNU/Linux.

Apesar do comportamento recente do governo, esperando que as empresas estatais participem ativamente da composição do superávit primário, o objetivo de uma empresa estatal não é o lucro mas sim a atuação em mercados onde a iniciativa privada não atue, por falta de recursos ou por inexistência de mercado, e nos quais as políticas de desenvolvimento governamentais orientem haver interesse. Dentro desta linha, a empresa estatal deve atuar como geradora de mercados e não como concorrente.

Quando uma empresa privada deixa de ser lucrativa, sua tendência é a de fechar as portas ou mudar de ramo. Quando uma empresa estatal passa pelas mesmas dificuldades, há sempre o recurso de novos investimentos estatais para auxiliar na recuperação da sua saúde financeira.

Não há como competir contra uma empresa estatal. Seus preços são políticos e não técnicos. Sua abrangência, nacional, a permite competir em mercados onde pequenas e médias empresas poderiam estar atuando. Seu principal, e preferencial cliente, é o próprio governo que se vê obrigado a comprar das suas próprias empresas para garantir ao menos uma aparência de lucratividade e eficiência.

Os membros do governo cobram da iniciativa privada novos investimentos mas como investir quando a carga tributária tira os recursos que poderiam estar sendo investidos na atividade produtiva e os desvia, direta ou indiretamente, para uma estrutura que concorre diretamente com a própria iniciativa privada que o governo finge fomentar?

O Brasil não é, realmente, para amadores.

quarta-feira, 12 de maio de 2004

O Problema com as Patentes de Software

As negociações da Alca e as discussões no Parlamento Europeu estão trazendo à tona a questão da patenteabilidade do software. Esta discussão é relativamente nova em todo o mundo a não ser nos Estados Unidos onde, desde 1981, se admite a patenteabilidade do software. Em 1981, no caso Diamond v. Diehr, a Suprema Corte manteve a decisão de uma instância inferior onde um software utilizado na cura da borracha foi considerado como patenteável como parte integrante do processo industrial alvo da patente.

Tradicionalmente o software sempre foi protegido pelo instituto do Direito Autoral, aplicando-se o mesmo, especificamente, ao código fonte. A partir de 1981, no entanto, iniciou-se uma tendência nos Estados Unidos que culminou com o entendimento que uma patente de software é algo que governa o processo ou aplicação de uma idéia única que somente é manifestada pelo código – mas não o código em si1. Esta noção contrasta com o copyright que se aplica somente ao código. A patente de software transcende o código.

Esta definição para patentes de software adota um conceito que já vem se incorporando ao trabalho científico norte americano: a patenteabilidade de idéias. A cada dia vemos pesquisas científicas inovadoras que resultam em novas patentes. Patentes estas que vem sendo concedidas para idéias, conceitos e até mesmo para genes e seres vivos.

Historicamente, o instituto da patente visa garantir ao inventor a exclusividade na utilização do método ou invenção por ele produzida por um prazo determinado permitindo, desta forma, que o inventor possa ao menos recuperar o investimento realizado para o desenvolvimento do seu novo método ou invenção. Esta proteção tem por objetivo estimular a inovação garantindo aos inventores o privilégio da utilização do seu invento durante um tempo determinado.

No Brasil, o instituto da patente foi primeiro estabelecido no Alvará de 28 de abril de 1809 onde no seu parágrafo VI se lê:

Sendo muito conveniente que os inventores e introdutores de alguma nova máquina e invenção nas artes gozem do privilégio exclusivo, além do direito que possam ter ao favor pecuniário, que sou servido estabelecer em benefício da indústria e das artes, ordeno que todas as pessoas que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento à Real Junta do Comércio; e que esta, reconhecendo-lhe a verdade e fundamento dele, lhes conceda o privilégio exclusivo por quatorze anos, ficando obrigadas a fabricá-lo depois, para que, no fim desse prazo, toda a Nação goze do fruto dessa invenção.

A Lei Imperial 3.129 de 14 de outubro de 1882 consolida a patente, regulamentando a “concessão de patentes aos autores de invenção ou descoberta industrial”. Firmou-se nesta lei o período de 15 anos para o privilégio da patente bem como a possibilidade da transmissão da mesma para terceiros como se fosse qualquer outro bem regulado pelo Direito.

Hoje, no Brasil, o instituto da patente é regulado pela Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, alterada pela Lei 10.196 de 14 de fevereiro de 2001. O artigo 9º da Lei 9.279 define o que é patenteável:

Art. 9º- É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.

O legislador brasileiro foi extremamente cuidadoso ao determinar também o que não é patenteável no Brasil. O artigo 10 e seus incisos desta lei descreve o que não é considerado como invenção ou modelo de utilidade:

Art. 10 - Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II – concepções puramente abstratas;
III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
V – programas de computador em si;
VI – apresentação de informações;
VII – regras de jogo;
VIII – técnicas e métodos operatórios, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e
IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

O inciso V se alinha com o entendimento da Suprema Corte norte americana onde um software pode ser patenteado, desde que seja parte de um método industrial ou invenção passível de ser patenteado mas nunca por si.

A proteção ao software no Brasil é feita pelo disposto na Lei 9.609 de 19 de fevereiro de 1998. Esta lei define no seu artigo 2º que:

Art. 2º. O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

Com relação ao software, a legislação brasileira é clara. A não ser que seja parte de um processo industrial ou invenção, o software não é patenteável, sendo protegido pelo instituto do Direito Autoral. O mesmo ocorria nos Estados Unidos até a decisão do caso Diamond v. Diehr.

O que mudou não foi a concepção de software. Mudou a concepção da indústria.

Toda indústria passa por estágios no seu desenvolvimento2. A grosso modo, estes estágios podem ser descritos como:

  • Crescimento;
  • Maturação; e
  • Declínio

O estágio de crescimento é caracterizado por mercados em rápida expansão. Há uma demanda consistente por novos produtos e novos negócios se instalam para aproveitar este momento de crescimento. Este estágio também se caracteriza por lucros crescentes pois a economia de escala gerada por um mercado em expansão proporciona reduções progressivas nos custos das empresas que geralmente não se refletem nos preços praticados por elas.

Ao encerrar a fase de crescimento, a indústria chega à maturidade. Neste estágio, o seu crescimento deixa de ser acelerado passando a acompanhar, a grosso modo, o crescimento da economia onde a indústria se encontra inserida. Apesar de ainda ser lucrativa, os produtos e serviços oferecidos por empresas em mercados que atingem a maturidade perdem as suas características únicas passando a existir uma menor diferenciação entre os concorrentes no mercado. Esta perda leva a reduções de preços e tentativas de diferenciação por outros meios como a força da marca e a qualidade dos produtos. Nos períodos de baixa, as empresas que atingiram a maturidade têm reservas suficientes para garantir a sua permanência no mercado até a sua recuperação ou mesmo usar estas reservas para a elaboração de novos produtos esperando uma retomada do mercado ou uma nova fase de crescimento.

O estágio de declínio geralmente ocorre quando o mercado deixa de demandar produtos ou serviços oferecidos pelas indústrias instaladas. Um mercado em declínio também pode se caracterizar por ter empresas que não conseguem se manter competitivas após atingir a maturidade.

Desde sua criação, a indústria de software tem se mostrado extremamente rápida e dinâmica. Empresas e mercados são criados continuamente e a evolução entre os estágios do mercado, que ocorriam ao longo de décadas agora ocorrem no período de poucos anos. Empresas que em outros tempos teriam longos períodos de maturidade entram em declínio após apenas alguns anos de presença no mercado.

As funcionalidades e os preços oferecidos pelos fabricantes de software encontram-se cada vez mais próximos levando à conclusão que o mercado de software é um mercado que está entrando definitivamente no seu estágio de maturidade.

Muitas empresas com planos de negócios sólidos trabalham neste estágio tentando aumentar sua penetração no mercado através da oferta de novos produtos ou através da melhoria da qualidade dos produtos existentes. Outras, passam a buscar novas fontes de recursos como forma de continuar o ciclo de crescimento, evitando a todo custo permitir a sua entrada na fase de maturidade.

Com o esgotamento da fase de crescimento acelerado da indústria de software, muitas empresas passaram a buscar outras fontes de receita e passaram a fazer um grande lobby junto ao congresso norte americano para admitir a patenteabilidade do software.

Uma empresa com um portfolio de patentes pode sobreviver apenas com a arrecadação de royalties. Muitas empresas, como a IBM, já têm uma grande parte de suas receitas oriundas do recebimento de royalties por patentes de sua propriedade. Mas estas empresas possuem patentes em áreas “tradicionais” onde investiram grandes somas no desenvolvimento de novos produtos.

Ao serem forçadas a reduzir as suas margens de lucro para permanecer no mercado, as empresas de software passaram a buscar novas fontes de receita no patenteamento do seu portfolio de software gerando um novo mercado para a comercialização da propriedade intelectual referente ao software.

Em um mercado maduro, a entrada de um novo concorrente causa impacto em todos os players. Quando este novo concorrente é capaz de fornecer produtos com a mesma qualidade a preços menores, este impacto é ainda maior. Este novo competidor no mercado de software é o software livre.

Este competidor incorpóreo é representado por dois grandes movimentos: o “Free Software” e o “Open Source”.

Do ponto de vista econômico, um produto como o OpenOffice.org é muito mais atrativo para uma empresa que o seu concorrente, o Microsoft Office. A funcionalidade e a qualidade são praticamente as mesmas nos dois produtos. O mesmo ocorre com o Linux, que após alguns anos de desenvolvimento está se mostrando estável e confiável ao ponto de empresas como a IBM e a HP acreditarem ser economicamente viável lançar produtos para este sistema operacional.

Do ponto de vista da concorrência econômica, o software livre representa um competidor capaz de fornecer produtos de alta qualidade praticamente sem custo de aquisição. Não há como uma empresa com custos elevados competir com este concorrente do ponto de vista estritamente econômico. A força da marca é usada então para garantir a permanência da ligação entre os clientes e a empresa. Mas mesmo esta força tem um limite. As empresas são obrigadas a tentarem diferenciar seus produtos por outras formas. Com uma uniformização cada vez maior dos recursos, só resta a diferenciação através da redução do preço.

É neste contexto que a questão da patenteabilidade do software deve ser vista. As empresas de software não tem, ou não querem, reduzir suas margens pois têm contas a prestar para com os seus acionistas. Também não há condições para o desenvolvimento de novos produtos que gerem um novo ciclo de crescimento pois o mercado já se encontra estabelecido e maduro. Resta a redução de custos e a geração de novas receitas.

A redução de custos no mercado de software vem ocorrendo principalmente pelo corte de pessoal. Diversas empresas, entre elas a SCO, vêm anunciando cortes de pessoal com o objetivo de manter a lucratividade dos seus negócios. Mas mesmo estes cortes têm um efeito apenas temporário pois estas mesmas empresas logo se verão obrigadas a reduzir ainda mais os seus preços como forma de se manterem competitivas no mercado, levando a novos cortes em uma espiral destrutiva.

A geração de novas fontes de receita vem ocorrendo em duas frentes: através da alteração dos modelos de negócios, e a patente de software. No primeiro caso temos empresas como a IBM que vem aumentando a sua participação no mercado através da oferta de serviços. No segundo, temos empresas como a Microsoft que tentam manter as suas receitas através de um processo ativo de patenteamento de seus softwares, como no caso do recente pedido de patente para a FAT.

Um problema com esta estratégia de patenteamento é que poucos países, entre eles os Estados Unidos, admitem a patenteabilidade do software. De forma a garantir o crescimento das receitas advindas desta nova fonte de recursos, estas empresas se viram obrigadas a aumentar o lobby junto ao governo norte-americano para através de acordos internacionais ou pressões políticas, forçar outros países a também admitir o modelo de patentes adotado naquele país.

O impacto de um possível sucesso desta política será o de se interromper o desenvolvimento do mercado de software em todo o mundo. Ao se admitir o conceito definido pelo Instituto Alexis de Tocqueville, que a patente de software protege o processo ou aplicação de uma idéia única que somente é manifestada pelo código, admite-se a possibilidade de se patentear conceitos de aplicação. Por esta definição, é possível patentear não os algoritmos usados por um editor de textos de uma determinada empresa, mas o próprio conceito de um editor de textos, fazendo com que apenas o detentor desta patente possa produzir ou autorizar a produção de um editor de textos de um concorrente. A adoção deste conceito de patenteabilidade, criará um monopólio de idéias, freando o desenvolvimento de novos produtos em todo o mundo.

O mercado de software está chegando a um impasse. De um lado, empresas que estão tentando, a qualquer custo, manter os modelo de negócios tradicional de venda de produtos. De outro, as empresas que reconheceram no software o caminho para a venda de serviços. O resultado deste embate definirá o futuro do mercado.

domingo, 2 de maio de 2004

Sobre Gnus e Pingüins

Em 1984, foi iniciado um esforço por parte de alguns programadores do MIT para substituir componentes do Unix por versões gratuitas. O resultado deste esforço foi a criação de um ambiente que foi posteriormente chamado de GNU (GNU's Not Unix). O desenvolvimento do GNU foi centrado na substituição dos aplicativos e utilitários que compunham o Unix. O cerne do sistema, no entanto, continuava sendo o kernel do Unix. Este esforço foi comandado pelo então desenvolvedor do MIT, Richard Stallman.

Em 1991, um projeto de kernel de sistema operacional baseado no Minix (outra variação do Unix), foi iniciado como atividade acadêmica por um jovem desenvolvedor finlandês, Linus Torvalds. A princípio, não era mais que um projeto de hackers que não pretendia concorrer com o Hurd (kernel em desenvolvimento pelo GNU). Porém, com a disponibilização do Linux sob o regime de “Copyleft” em 1992, o kernel Linux passou a sofrer um desenvolvimento acelerado e passou a ser adotado por um número cada vez maior de usuários do GNU.

Em poucas palavras, este foi o início do sistema que hoje conhecemos por Linux (ou mais propriamente GNU/Linux). Fazem parte desta história, companhias como a Red Hat nos Estados Unidos, a SuSE na Europa e a Conectiva no Brasil que passaram a empacotar o Linux com os utilitários GNU, apresentando distribuições cada vez mais amigáveis e completas. O crescimento explosivo da aceitação do GNU/Linux por usuários, grandes corporações, e governos comprova que este casamento foi muito mais que bem sucedido.

Mas, apesar do casamento feliz, o atual ambiente GNU/Linux resulta de duas visões diferentes sobre o desenvolvimento de software e sua função social.

O projeto GNU é mais que simplesmente um projeto técnico. O GNU é uma proposta social que envolve software. A visão do GNU, através da Free Software Foundation, é a que a pessoa deve ser livre e ter livre acesso ao software. Esta liberdade é desdobrada em quatro liberdades básicas:

  • A pessoa deve ter livre acesso ao software;
  • A pessoa deve ter livre acesso ao fonte do software;
  • A pessoa deve ser livre para alterar o software e;
  • A pessoa deve ser livre para redistribuir o software modificado por ela ou por outros.

Só é considerado livre o software que atenda a todas estas quatro liberdades.

Já o Linux é fruto de outro movimento, conhecido como Open Source (Código Aberto). Não há um interesse social neste movimento e o livre acesso ao código é tratado como uma técnica de desenvolvimento e não como atividade social. No movimento Open Source o desenvolvimento e não a sociedade é o beneficiário do esforço.

Apesar de terem diversos pontos em comum, as visões de cada movimento são bastante diferentes. Não é de se estranhar, portanto, que algumas empresas adotem o Linux e o open source e outras ataquem o movimento de software livre com a mesma determinação.

Esta confusão entre os movimentos se estende ao governo, gerando mais confusão que esclarecimentos. Esta confusão fica mais evidente com declarações como as feitas por uma senadora em 2003: “O código aberto faz parte do resgate da cidadania dos brasileiros.” O Executivo também não fica muito atrás, promovendo a utlização de software open source como se fosse livre e vice versa.

As divergências entre software livre e código aberto só não se tornam mais evidentes pela existência de um “inimigo comum”, hoje personificado pela Microsoft e pela SCO. Enquanto existir este confronto, haverá uma paz relativa no mundo GNU/Linux.

O software livre atende às aspirações de liberdade do indivíduo. O código aberto, às necessidades dos desenvolvedores. As empresas conseguem compreender e conviver com o modelo de código aberto mas não muito bem com a idéia proposta pelo software livre.

O embate entre Open Source e Free Software já começa a ocorrer nos Estados Unidos e acabará ou com a “vitória” de uma das frentes ou com a criação de um novo conceito de desenvolvimento e uso de software resultante da compatibilização de ambos os movimentos.

O Brasil não pode ficar alheio a este debate. Cabe a nós ampliar a discussão para não ficarmos mais uma vez à mercê de decisões externas. Como indivíduos, podemos ter a opinião que quisermos. Como sociedade, no entanto, precisamos definir logo qual o modelo que adotaremos.