quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Essencial e Incidental

Temos todos uma mania crônica: tratar o incidental como se fosse o essencial. Quando temos febre, tomamos um antitérmico sem nos preocuparmos com o que a está causando. Nos preocupamos com o saldo da nossa conta corrente sem pensar nos gastos que nos levam ao cheque especial. Reclamamos do consumo do carro sem pensar nos nossos próprios vícios ao volante.

Ao confundir o incidental, que não existe por conta própria, com o essencial de qualquer situação, deixamos de discutir o que realmente interessa. Gastamos horas discutindo sobre um conjunto de situações que podem ser resolvidas apenas com a correção da essência do problema. Passamos meses discutindo se o mosquito da dengue era municipal, estadual ou federal, sem mover uma palha para resolver a essência do problema: educação e saneamento. Agora temos a febre amarela batendo à nossa porta e, com ela, novas discussões intermináveis sobre o incidental. A essência do problema continua: continuamos com deficiências graves em educação e saneamento.

A publicidade gerada pela “guerra dos padrões” na ISO é só mais um reflexo desta nossa mania. Páginas e páginas foram gastas tratando da guerra entre o Office e o OpenOffice.org, entre IBM, Sun e Google, de um lado, e Microsoft, do outro. Essa mania de discutir o incidental transformou uma discussão sobre padrões, sobre modelos estabelecidos e abertos para a troca de informações, em uma batalha por um mercado que rende US$ 11.000.000.000,00 (isso mesmo onze bilhões de dólares) por ano à Microsoft.

É preciso discutir o essencial. Precisamos de um modelo aberto e público para a troca de informações, fora do controle de uma companhia específica. Até porque companhias são incidentais neste processo. Microsoft, WordPerfect, WordStar, Carta Certa e tantas outras foram meros incidentes na essência do problema: a falta de um padrão público e aberto para a troca de informações.

Discutir o incidental neste momento apenas torna o problema, em sua essência, cada vez mais grave e de difícil resolução. A geração de documentos eletrônicos não para. A cada dia mais e mais documentos públicos são gerados em formatos fechados tornando a organização e recuperação de informações um sonho cada vez mais distante.

A cada nova rodada de discussões evita-se o essencial. Publica-se o incidental como se fosse verdade absoluta. Patina-se na resolução do problema.

É preciso parar de discutir a febre e sanear as comunidades.