quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Uma Rede de Confiança

Já houve um tempo, quando o mundo era menor, onde todas as nossas relações eram baseadas em confiança. Íamos à quitanda da esquina fazer as compras da semana e pagávamos no final do mês. Todos sabiam onde todos na cidade moravam. As mães mandavam os filhos ao mercadinho pegar aquele saco de açúcar que faltava sem a preocupação de ter dinheiro na mão para pagar no momento da compra.

O mundo cresceu. O que era normal para a cidade virou uma curiosidade de bairro. O dono do mercadinho diversificou sua oferta e o número de fornecedores. A memória já não bastava e por isso a caderneta, que já era usada para alguns casos, teve que se profissionalizar. Já não bastava a confiança, passou a ser necessário registrar a conta. Por se tratar das finanças do mercadinho, no começo só o dono fazia o registro. Depois que até essa tarefa foi delegada passamos a desconfiar que pudesse haver alguma coisa lá que não chegamos mesmo a comprar.

Com o aumento da complexidade das relações, passou a ser necessário escolher alguém para resolver os conflitos. Deixamos de confiar uns nos outros para depositar nossa confiança em terceiros que, de comum acordo entre as partes, decidiam sempre que houvesse uma disputa. Cartórios, Registros, Burocracia, todos recursos necessários para mediar os conflitos decorrentes da falta de confiança.
Quando o assunto passou a envolver dinheiro, então, nossa desconfiança mútua aumentou. E muito! E escolhemos confiar em instituições financeiras para cuidar, com segurança, do nosso dinheiro.

É claro que essas instituições variavam muito de lugar para lugar, mas sempre com alguma autoridade, um terceiro de confiança, que garantia a transação. Nossa relação com dinheiro produziu algumas coisas curiosas que decorrem da nossa necessidade de confiar. Seja uns nos outros, seja em um terceiro que escolhemos para garantir nossas transações: produzimos bancos para mediar transações financeiras entre pessoas e empresas, produzimos Bancos Centrais para garantir e controlar as transações entre os Bancos, produzimos organizações financeiras internacionais para garantir as transações entre os bancos de países diferentes.

Passamos pelo gado, pelo sal, pelo papel moeda e ao controle centralizado (mais um terceiro de confiança) da sua emissão, e chegamos ao Bitcoin. Assunto de interesse para todos. Sem dúvida o nosso interesse por ganhos rápidos tornou o Bitcoin o assunto da vez em uma quase todos os lugares. Quantos aqui nunca tiveram que explicar o conceito do Bitcoin para alguém? Parece bom demais, não? Um dinheiro virtual que não é emitido por nenhuma autoridade e que se valoriza assustadoramente! É de espantar mesmo.

O que nos esquecemos de falar, até porque não é tão emocionante quanto falar da valorização astronômica do Bitcoin, é que em 31 de outubro de 2008, no mesmo White Paper que propôs a criação de uma moeda eletrônica peer-to-peer, Satoshi Nakamoto, estabeleceu o uso de um banco de dados altamente distribuído, e imutável para ser o registro de todas as transações feitas em Bitcoins.

E esse banco de dados é o que chamamos hoje de Blockchain. Basicamente, o Blockchain é uma grande Ata onde só é possível acrescentar linhas que, uma vez incluídas, não podem ser alteradas. No caso do Bitcoin, essa imutabilidade é garantida por alguns mecanismos de consenso onde todos os participantes da rede têm uma cópia da Ata e só através do consenso da maioria deles é que poderão ser incluídas novas linhas.

Por trás dessa rede, incorporada ao próprio tecido que define o seu banco de dados, esconde-se a verdadeira revolução trazida pelo Bitcoin. Mais que um banco de dados massivamente compartilhado, a implementação do Blockchain trouxe algo novo, revolucionário, disruptivo:  A remoção do terceiro de confiança, cuja função passou a ser distribuída na rede. Passamos a poder confiar!

É um salto de fé que temos extrema dificuldade em fazer. Passamos tantas gerações desconfiando uns dos outros que quando isso não é mais necessário, não acreditamos na mera possibilidade de podermos confiar em alguém que não conhecemos.

E é nesse ponto, quando removemos a desconfiança do relacionamento, é que a inovação pode realmente começar a ocorrer.

O primeiro e mais visível impacto é a redução dos custos das transações. Ao diluir a necessidade de confiança pela rede, todos os custos com o registro e liquidação de transações caem de forma sensível abrindo um novo leque de possibilidades para micro pagamentos, por exemplo, atingindo uma parcela da população que não tem alternativa ao uso do dinheiro em espécie por não ter acesso a um sistema bancário caro (em boa parte devido à necessidade de todos os mecanismos de controle da confiança que existem hoje).

Já para as instituições, a redução de custos com registro, liquidação e compliance é o que mais impressiona. Um estudo da Accenture, confirmando números anteriores da Deloitte, indica que se os oito maiores bancos de investimentos adotassem a tecnologia, a economia direta giraria entre 8 e 12 bilhões de dólares anualmente com uma redução do seu custo operacional do seu back-office na ordem de 30% (https://www.accenture.com/us-en/insight-banking-on-blockchain).

Mas não se trata só de economizar.

Com a redução dos custos de operação, toda uma nova janela de oportunidade se abre e já vem sendo explorada pelas Fintechs e Startups que surgem a cada momento. Empresas ágeis, com um notebook na mão e uma ideia na cabeça e acesso barato a recursos computacionais em nuvem.

Vivemos hoje um momento único. Uma nova geração de empreendedores com acesso a um volume de recursos cada vez mais abundante e barato, capaz de pensar novas ideias e concretizá-las em software. Com a incorporação do Blockchain ao dia-a-dia destas empresas, imagino que voltaremos a poder nos surpreender com a criatividade e inventividade de uma nova geração de empreendedores que ainda tem muito a explorar e oferecer.


Mais que um banco de dados, o Blockchain trouxe a real possibilidade de implementarmos uma rede de distribuição de valor uma forma de transacionar, de forma segura e principalmente confiável, com qualquer um de nossa nova vila global.

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