sexta-feira, 8 de abril de 2011

Raposa no Galinheiro

O post do Jomar sobre uma tendência preocupante no movimento de adoção de padrões me fez parar para pensar e refletir um pouco sobre o que anda acontecendo e porque temos tantos problemas e discussões quando começamos a falar de padrões.

Dependendo do ponto de vista, um padrão aberto serve para propósitos distintos. Para o cidadão, é a garantia que o acesso a informações públicas será possível hoje e no futuro. Para os Governos, é a definição de como ele se relaciona interna e externamente com entes públicos, privados e com os seus cidadãos. Para a indústria, é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que amplia o mercado, aumentando a competitividade e o volume de oportunidades, o estabelecimento de padrões abertos limita o controle de uma empresa sobre este mesmo mercado.

De certa forma, o uso de padrões abertos é benéfico para as pequenas empresas que podem concorrer em melhores condições com as grandes. Para as grandes, no entanto, a situação é bem diferente. Para uma empresa que controla mais de 90% do mercado de ferramentas de produtividade de escritório, o estabelecimento de um padrão aberto para documentos eletrônicos é visto como um ponto de erosão no seu monopólio. Uma grota que se não aterrada, pode levar a rachaduras cada vez maiores no seu negócio.

As motivações para a criação e manutenção de padrões são múltiplas e de interesse público. As restrições são poucas, mas de interesse íntimo das grandes corporações. E é aqui que, como se diz no interior, a porca torce o rabo.

Definir e manter padrões é caro. Quem já tentou participar do processo como pessoa física sabe dos custos: viagens, hotéis, telefone. E isso sem falar da dedicação de tempo para conseguir fazer um trabalho de qualidade. Mais que caro, trabalhar na definição e manutenção de padrões é penoso.

E é aqui que precisamos pensar na motivação para atuar nesta seara. Para pessoas físicas, o senso de dever cívico parece ser o maior motivador. Para os governos, a própria atividade de normatização das relações. Para a indústria... Para a indústria são duas as principais: abrir novos mercados e proteger os mercados conquistados.

Como a manutenção de padrões é cara e os governos estão em ritmo de redução de custos, a tendência observada pelo Jomar é verdadeira e preocupante. Muitas agências governamentais, no intuito de reduzir custos, estão começando a dizer que é função do mercado definir e manter padrões. Esta atitude, no entanto, pode custar mais no longo prazo. Deixar apenas as corporações com interesses econômicos específicos controlar o processo de definição e manutenção de padrões é deixar a raposa solta no galinheiro. Já vimos o que acontece nesta situação durante as discussões do ISO/IEC 29500.

Se mais governos começarem a delegar ao mercado a responsabilidade pela definição e manutenção de padrões abertos, teremos padrões publicados que atenderão a um conjunto cada vez mais reduzido de interesses em detrimento dos interesses da sociedade e do poder público.

Delegar a definição e manutenção de padrões abertos ao mercado é abrir mão da soberania em favor do interesse econômico privado. É uma volta ao mercado desregulado e selvagem que resultou na criação de monopólios que tiveram que ser, posteriormente regulados e desmontados a um custo econômico, político e social muito mais alto.

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