segunda-feira, 11 de abril de 2011

Hiperdecantação - Heresia ou Blasfêmia?

Heresia. s. f. Divergência em ponto de fé ou doutrina religiosa[1]
Blasfêmia. s. f. Dito ímpio ou insultante contra o que se considera como sagrado[1]
Hiperdecantação. s. f. Bater o vinho no liquidificador
Se é heresia ou blasfêmia, deixo o julgamento a cargo do leitor. O que vou relatar aqui é uma experiência prática com essa prática descrita no "Modernist Cuisine: The Art and Science of Cooking". A teoria faz sentido. Além de permitir a separação "educada" da borra, decantamos um vinho para permitir que a oxidação libere novos sabores e também os segredos escondidos nas moléculas aromáticas presas ao álcool.

Então, por que não acelerar o processo? Se um vinho precisa de alguns minutos a algumas horas (diz a lenda que em alguns recantos italianos até alguns dias) para que a mágica do oxigênio libere a riqueza oculta de uma garrafa de vinho, por que não incorporar o oxigênio de maneira mais vigorosa e rápida, eliminando a maior parte do tempo da equação da melhor bebida? Me parece ser esse o princípio por trás da tal hiperdecantação.

O Experimento

vítima amostra escolhida foi um Finca Sur Malbec 2009. Escolhi esse vinho específico por ser um vinho jovem demais, desconfortavelmente ácido (especialmente quando comparado ao excelente 2008 sobre o qual escrevi aqui) e também porque eu já o havia experimentado alguns dias antes. Desta forma, ficou fácil fazer uma comparação mais objetiva (se é que isso é possível).

Minha vítima amostra














Para verificar de forma mais objetiva qualquer mudança na amostra, selecionei dois queijos, um brie bem maduro e uma boa fatia de queijo de cabra.

Os acompanhamentos













O passo seguinte incomodou bastante. Lançar o conteúdo da garrafa no liquidificador já não foi fácil. Esperar os 60 segundos preconizados no tal livro de cozinha molecular então, uma eternidade.

É assim que se parece um Malbec no Liquidificador













Depois de eternos 60 segundos (um minuto inteiro!), desliguei o liquidificador e o conteúdo mais parecia um copo de chope de uva.
Motor desligado













Em menos de cinco segundos, a espuma se desfez
Com ou sem colarinho?












E sumiu completamente

Sem colarinho, por favor.













Achei que servir direto do copo do liquidificador era um pouco demais e passei o pobre Malbec a um decânter. Começou, então, a aventura de verdade.

Surpresas agradáveis

A primeira coisa que me chamou a atenção (na verdade foi quase um tapa na cara) foi o repentino realce no aroma de frutas. Não foi uma coisa sutil. Foi um golpe inesperado. O bouquet (chique, não?) mudou completamente. Frutas vermelhas saltavam da taça com uma vivacidade que ainda não havia encontrado neste vinho. Na boca, a surpresa foi tão surpreendente quanto o aroma. Não havia mais acidez. Depois de sessenta segundos no liquidificador, este jovem malbec havia sido completamente domado! De um jovem e áspero vinho parrillero este Finca Sur tornou-se um educado e suave companheiro de um brie devidamente fermentado, preferindo-o ao áspero e aromático pur chèvre que selecionei.

Como estava experimentando só, pude observar como o vinho mudava à medida que o tempo passava. Depois de 25 minutos no decânter, aromas mais pesados começaram a aparecer. Um aroma de queimado muito distinto se tornou presente mas não chegou a atrapalhar a degustação. A acidez deste vinho não voltou e, apesar de todo o agito, também não pareceu perder nada do álcool.

Conclusões

É difícil ser objetivo depois de uma garrafa inteira de vinho, mas mesmo assim vou tentar. (Minhas anotações, em garranchos progressivamente mais e mais ilegíveis, me suportam). Objetivamente, o vinho mudou. Não posso dizer se foi por efeito placebo ou não, mas que mudou, mudou. O que mais me impressionou é que o vinho mudou para melhor, para muito melhor. Tornou-se um vinho educado, suave pronto para acompanhar pratos mais delicados.

Não é um hábito que pretendo generalizar. Também não recomendo que se bata um Chateau Margaux. (Mesmo que você tenha ganhado sozinho uma loteria de alguns, muitos, milhões) em um Walita (use, pelo menos, um Kitchenaid). Só posso dizer que funcionou, e bem, para o Finca Sur Malbec 2009. Não posso afirmar, nem recomendo, que se faça isso com outros vinhos.

A aeração forçada de um vinho parece comprovar de forma exagerada o que sempre falamos sobre estes poemas engarrafados. Nas palavras de Georg Riedel, decantar um vinho é "um respeito pelos mais velhos e um sinal de confiança nos mais  jovens."

Acho que os "jovens" aguentam um passeio mais "radical". Os mais velhos, estes certamente merecem um respeito maior.

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